Sunday, October 9, 2011

A inevitabilidade da tributação ambiental em Portugal

SUMÁRIO:
1. A renovada dimensão do papel do Estado na economia. 2 O sistema fiscal e a sua possível utilização no tratamento das questões ambientais. 3. O fenómeno do deslocamento da carga fiscal (tax shift). 4. A inevitabilidade da tributação ambiental e o caso português. Um exemplo: a consignação do adicional ao Imposto sobre Produtos Petrolíferos ao Fundo Florestal Permanente

1. A renovada dimensão do papel do Estado na economia

Após se ter relegado o mercado para o papel secundário de fornecer ao Estado os recursos necessários para uma intervenção intensa no sentido da reconstrução das economias nacionais dizimadas pela guerra, assumindo a maior parte dos governos da Europa Ocidental como políticas prioritárias a redistribuição do rendimento e a gestão macroeconómica, sendo o reconhecimento de qualquer evidência de falha do mercado justificativa de tal intervenção; após o início da quebra do consenso sobre os papeis relativos do Estado e do mercado na gestão da economia, nos anos setenta, com as crescentes taxas de inflação e desemprego a colocarem em causa o modelo keynesiano e, cada vez mais, a dimensão da despesa pública e o Estado de Bem-estar centralizado a serem considerados mais como parte do problema do que da solução; chega-se, nos anos noventa do século passado, a um período de intensas reformas regulativas.

Estas reformas caracterizam-se por movimentos de desregulação (v.g., privatizações) seguidos de novas formas de regulação, menos rígidas e menos restritivas. A ideia não é desregular mas atingir os objectivos definidos através de intervenções menos ‘pesadas’, sendo exemplo deste movimento a substituição que se tem observado, em sede de política ambiental, de limites quantitativos administrativamente fixados por instrumentos de natureza económica. O Estado pretende agora ultrapassar as dificuldades da crescente complexidade tecnológica do real(1) e da necessidade de modificar as expectativas e comportamentos individuais já não apenas através do poder coercivo mas, e principalmente, através da credibilização dos intervenientes e processos políticos.

Percebe-se neste novo movimento (de re-regulação) uma crescente intervenção pública, se bem que através de meios mais soft do que os tradicionais(2). Simultaneamente, verifica-se um esforço no sentido de reduzir a despesa pública. A estratégia de ‘atirar dinheiro para os problemas’, típica dos anos sessenta, já não é uma alternativa possível nem credível. A via da regulação torna se atractiva na medida em que transfere os custos para os agentes privados(3).

Desde o início dos anos noventa nos países nórdicos, desde meados dos anos noventa no centro da Europa e desde os finais dos anos noventa em Portugal, observa-se, assim, um conjunto de variáveis cuja coincidência no tempo e no espaço contribuem para uma reconfiguração do sistema fiscal. Na União Europeia (UE) a discussão do Pacto de Estabilidade está na ordem do dia e com este condicionamento o Estado tem que estar especialmente atento às suas despesas, ao custo a que a realização dos objectivos definidos obriga e à eficiência e complementaridade das políticas públicas. Por outro lado, percebe-se uma cada vez maior preocupação do Estado em buscar formas de envolver activamente a sociedade na satisfação de necessidades colectivas e, em especial, nota-se um empenho dos governos em chamar os agentes económicos a assumir as suas responsabilidades sociais, nomeadamente no domínio da protecção ambiental (4).

Este movimento de regeneração que se sente nos países da OCDE a partir dos anos oitenta tem causas várias, entre as quais se encontram, v.g., as restrições a que estão sujeitas as finanças públicas, o desencanto com as políticas industriais do passado que entravaram o ajustamento industrial, as rápidas transformações tecnológicas que aceleram a evolução para uma economia de serviços onde o conhecimento desempenha um papel fundamental, a globalização que cria actividades transnacionais e transectoriais, tornando difícil a introdução de políticas intervencionistas direccionadas, e a grande complexidade e contraposição de interesses públicos e privados que clama a crescente substituição dos actos administrativos, forjados no modelo unilateral e autoritário de Administração, por instrumentos consensuais na definição do direito aplicável em concreto às relações jurídico-admimstrativas (5).

Os valores que orientaram durante mais de quarenta anos as finanças públicas estão em crise. A expansão da despesa pública, com o consequente aumento da onerosidade das políticas de financiamento e a crise do modelo de produção fundada nas grandes empresas, com um rígido controlo do mercado de trabalho pelas organizações sindicais, na transferência de recursos públicos a favor das empresas e do rendimento do trabalho, numa óptica de troca política, obrigam a repensar a intervenção do Estado na economia através do uso dos instrumentos tradicionais de finanças públicas(6). A rigidez destes mina a eficácia da política definida.

Deparamo-nos, hoje, com um sistema tributário condicionado e orientado por questões de natureza ideológica e baseado em esquemas rígidos que provocam uma disparidade entre os efeitos distributivos e económicos desejados e aqueles que efectivamente se verificam (7). A introdução crescente de novos objectivos económico-sociais na política fiscal, os quais são por vezes conflituantes, amplia a distância entre a realidade distributiva perseguida aquando da concepção do sistema e a que efectivamente este realiza (8). A complexidade que é, assim, injectada no mesmo é paga, por um lado, com perda de eficácia, pelos elevados custos de administração e pelo incrementado nível de fraude e de evasão fiscal que daí advém, e, por outro, com perda de eficiência, devido à pressão fiscal acrescida que então se exerce sobre a actividade económica.

Em muitos países da OCDE, cerca de metade de todo o capital gerado é filtrado pelo sistema fiscal (9). A consciência dos relevantes efeitos que o sistema fiscal tem sobre a eficiência, o crescimento, a poupança, o investimento e o emprego é cada vez maior e, com a crescente liberalização do comércio e a consequente redução das fontes tradicionais de receita, os Estados sentem necessidade de reestruturar os seus meios de financiamento (10). Perante os movimentos que questionam a legitimidade dos sistemas fiscais, quer pelas revoltas fiscais populares quer pelos representantes da extrema direita que anseiam ver o Estado diluir-se, torna-se necessário instituir um sistema de tributação justo (11). O considerável aumento da mobilidade dos recursos (já não só do capital, mas também do trabalho) e a diversificação das formas de riqueza tornam o actual sistema tributário incapaz de promover eficazmente a liberdade e igualdade dos cidadãos e a responsabilidade do indivíduo (12).

Um sistema assente, predominantemente, sobre a tributação do rendimento e o IVA só consegue gravar a economia emersa, e já não a submersa (13). O enorme elenco de benefícios fiscais e de regimes especiais mais favoráveis do que o geral provoca uma erosão da base de tributação, que se tenta compensar com um reforço da carga fiscal a suportar pelos que efectivamente pagam impostos(14). O que é insuportável quer em termos de eficiência quer de equidade. A elevação das taxas marginais em vez de contribuir para a resolução do problema causa o seu agravamento. Pois, os titulares de maiores rendimentos, sujeitos a taxas elevadíssimas, vão optar pela fraude fiscal, deixando o grosso do encargo de contribuir para as despesas públicas sobre a classe média, que não tem opção. Isto vai não só provocar uma redistribuição regressiva do ónus fiscal, com o afronto da justiça, como também uma distorção suplementar da economia, com o inerente desperdício de recursos.

Sem abandonar uma política social redistributiva há que buscar novas formas de actuação pública mais compatíveis com o carácter cada vez mais articulado e complexo da sociedade (15). Não basta proceder a alterações pontuais, é necessária uma reforma estrutural do sistema tributário. A reformulação das finanças públicas que se opere nos próximos anos será determinante para a evolução do sistema social se vir a fazer num sentido democrático ou, ao invés, numa via autoritária (16). Há que tornar o sistema fiscal mais simples, transparente, aceitável e eficaz, buscando novas fontes de receita, reconexionando a sua obtenção com o seu uso e promovendo o emprego e a defesa do ambiente. Isto implica “filtrar o direito fiscal para encontrar a zona em que as normas fiscais se encontram com as ambientais” (17).

Na política industrial nota-se uma tendência dos Estados para substituir o financiamento directo das empresas pela adopção de medidas destinadas a criar um ambiente favorável ao investimento e a estimular a concorrência e a inovação. Os acordos de partenariado têm sido instrumentos privilegiados pelos governos para o estabelecimento de uma cooperação menos formal entre o Estado e a indústria, visando a resolução em conjunto dos problemas colocados pela mudança tecnológica e a globalização. Uma abordagem que se caracteriza por uma feição menos intervencionista do que a tradicional e com custos inferiores aos que são comuns à que se funda na atribuição de auxílios públicos(18).

No domínio do ambiente, a nova forma de interacção entre o estado e a economia pode se observar em vários aspectos. A abordagem coerciva é substituída por outras formas de regulação que se caracterizam por chamar os agentes económicos a assumir um papel activo na definição e prossecução dos objectivos públicos, com esforços no sentido de aumentar a transparência, a participação pública e a delegação de competências. Os instrumentos de natureza administrativa tradicionais cedem a intervenções sob a forma de ‘administração concertada’ e os instrumentos económicos, nomeadamente os tributários, assumem uma importância crescente. A despesa pública, por sua vez, ganha também uma nova feição.

Surgem, então, instrumentos consensuais que podem assumir diversas configurações e designações e que são genericamente denominados “acordos ambientais”. Os acordos ambientais entre a Administração e a indústria constituem uma forma de incentivar a indústria a assumir (voluntariamente) as suas responsabilidades na protecção ambiental e a envolver-se activamente nessa tarefa desde a fase inicial da construção das políticas neste domínio, fazendo propostas e delineando estratégias assentes num consenso interno, conseguindo-se, desta forma, reduzir a burocracia e aumentar a flexibilidade na selecção dos meios de actuação (19). Com o inevitável ganho de eficácia, de tempo e de custos (20).

Assim, a uma estratégia de subsidiação directa e pontual dos agentes económicos que adoptem condutas sustentáveis tem vindo a suceder uma intervenção contratual do Estado na economia. As novas figuras caracterizam-se por serem acordos ou contratos em que a assumpção de obrigações pela indústria para com o Estado no sentido de serem implementados modos mais sustentáveis de actividade é enquadrada pela existência de meios de financiamento que apoiam as acções prosseguidas no âmbito dos acordos realizados. Um nexo sinalagmático que contribui para reforço do incentivo ao cumprimento da legislação ambiental.

2. O sistema fiscal e a sua possível utilização no tratamento das questões ambientais

As finanças públicas, como meio de intervenção do Estado na economia quer por via da receita quer por via da despesa, têm um papel importante a desempenhar na promoção do desenvolvimento sustentável e isso mesmo lhes é reconhecido pela constituição da República Portuguesa. A constituição portuguesa (art. 66.°) determina que para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos, inter alia, promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial (art. 66.°/alínea f), tal como acontece a nível comunitário (21), e assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida (art. 66.°/alínea h). A nível nacional, a Constituição obriga que se garanta a qualidade ambiental sem se prejudicar um equilibrado desenvolvimento sócio-económico (artigo 66.°, n.° 2, alíneas a) e b) da CRP). E entre os princípios constitucionais fundamentais, aparece o dever de “defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento territorial”, o qual é atribuído ao Estado, na qualidade de uma das suas tarefas básicas (artigo 9.°, alínea e) da CRP) (22). Mas também a nível comunitário não se admite que as liberdades económicas mantenham um estatuto de incondicionalidade, afirmando-se, mesmo, que a realização do mercado comum não é um fim em si, mas um meio para se atingir o desenvolvimento sustentável.

Oferecem-se dois critérios orientadores da intervenção pública no domínio do ambiente. Por um lado, o desenvolvimento sustentável exige que se busque o equilíbrio entre o óptimo económico (que ocorre quando o custo marginal do controlo da poluição (23) iguala o benefício marginal que se retira do mesmo (24)) e o óptimo ambiental (que corresponde à eliminação na íntegra das emissões poluentes). Por outro, impõe-se que o equilíbrio ecológico funcione como o limiar inultrapassável, sob pena de corrupção dos sistemas de suporte, quer do económico quer do social, isto é, sob pena de insustentabilidade. Dito de outro modo, o crescimento económico não pode ser obtido à custa da diminuição do bem-estar, o qual é medido pela potencialidade de consumo por habitante. Valor que está ligado à capacidade de produção no futuro (25) e, consequentemente, à dimensão do capital total (isto é, a soma dos recursos criados pelo Homem com os recursos ambientais), não podendo, por isso, admitir-se uma redução deste (26). É esta compatibilização que representa hoje um desafio às finanças públicas no seu papel de instrumento de promoção do desenvolvimento sustentável. E tanto pela via da receita como pela via da despesa, são múltiplas as potencialidades que é possível vislumbrar no âmbito das finanças públicas para promover a qualidade ambiental.

O aproveitamento do sistema fiscal para proteger o ambiente é susceptível de assumir diversas formas, as quais se podem agrupar, no essencial, em quatro vias: a adopção de impostos ambientais, a introdução de elementos ecológicos na estrutura dos tributos existentes (27) (“agravamentos ecológicos de impostos” (28)), a criação de benefícios fiscais destinados à promoção do desenvolvimento sustentável e uma reestruturação de todo o sistema fiscal orientada pela missão ecológica (29). Podem, então, adoptar se basicamente duas perspectivas no tratamento da tributação ambiental: a resposta problema-a-problema ou a reestruturação compreensiva do sistema fiscal. A opção coloca-se também entre a adaptação do sistema fiscal existente, conceito introduzido por Jacques Delors sob a denominação “tax shift”, em 1993, com “Growth, Competitiveness, Employment: the challenges and way forward into the 21th century” (30), e a criação de novas figuras fiscais (31). Opção essa que implica uma troca entre a eficiência e a eficácia e que depende das condições sócio-económicas subjacentes, do sistema fiscal existente, das espécies de degradação ambiental em causa e da estrutura reguladora em que os instrumentos fiscais de protecção ambiental devem funcionar.

A figura do imposto ambiental pode ser entendida em várias acepções, não existindo uma definição de “imposto ambiental” que seja unanimemente aceite (32). Pelo que é necessário precisar de que se fala quando se usa tal expressão. Vejamos. Alguns instrumentos fiscais assumem como objectivo primordial o condicionamento do processo de tomada de decisão do sujeito passivo (Lenkungssteuern). É esse o caso dos impostos cobrados em função do volume de água poluída que as empresas lançam no sistema de esgotos. Enquanto outras figuras financeiras parecem orientar-se, primordialmente, por um objectivo de recolha de receitas (Umweltfinanzierungsabgaben), quer devido ao facto de, por falta de alternativas, o espaço disponível para a mudança de comportamento por parte dos sujeitos passivos ser extremamente reduzido (como acontece, v.g., no caso da tributação dos combustíveis utilizados pelos meios de transporte), quer por força de uma opção realizada por governantes carenciados de receita pública.

O imposto ambiental enquanto instrumento de política ambiental é aquele gravame que se aplica a bens que provocam poluição quando são produzidos, consumidos ou eliminados ou a actividades que geram um impacte ambiental negativo, visando modificar o preço relativo daqueles ou os custos associados a estas e/ou obter receita para financiar programas de protecção ou de recuperação do equilíbrio ecológico. A finalidade que orienta o tributo é, pois, determinante para a sua classificação, sendo esta, e não o seu facto gerador, que permite qualificá-lo como ambiental (33). Pelo que se distingue entre tributos criados com a finalidade de proteger o ambiente, abstraindo-se do momento em que as motivações ecológicas surgiram (34), e tributos dos quais tal protecção deriva como um efeito lateral, bem como entre impostos cuja primeira finalidade é a defesa do equilíbrio ecológico e impostos cuja base de incidência se traduz numa realidade poluente (35). Esta dicotomia é adoptada pela OCDE, que denomina os primeiros de “impostos ambientais directos” e os segundos de “impostos ambientais indirectos” (36). Pode, assim, classificar-se como tributo ecológico um imposto cujo facto gerador não expresse directamente um acto de degradação ambiental (v.g., aquele que grave a aquisição de gasolina ou de sacos de plástico) (37). Tal como se pode negar o epíteto de ecológico a um imposto que, embora incidindo sobre realidades geradoras de dano ambiental, vise objectivos ambientais.

Chamemos, assim, impostos ambientais em sentido próprio àqueles que visam directamente promover uma alteração de comportamentos (38) e impostos ambientais em sentido impróprio àqueles que têm como objectivo fundamental a obtenção de receitas a aplicar em projectos de defesa ecológica (39). Ainda que, nos primeiros, por motivos de índole económica e de equidade, esse estímulo à mudança tenda a ser efectivado através da internalização dos mencionados custos, a virtude reside não na capacidade de medir os custos da poluição, mas na capacidade de fornecer um incentivo à mudança dos comportamentos no sentido socialmente desejável, sem congelar o avanço tecnológico nem eliminar um certo grau de liberdade individual (40). Os demais serão “em sentido impróprio” porque se o objectivo é a captação de meios a utilizar na realização da política ecológica, eles serão, em princípio, tão “ambientais” quanto qualquer outro tributo que permita recolher meios financeiros para a prossecução do fim em causa (41). Só se distinguindo o seu contributo para o equilíbrio ecológico do dos impostos fiscais em geral quando, sem deixarem de apresentar como primeira finalidade a captação de receitas, e não o estímulo à adopção de condutas mais sustentáveis, tenham por objecto situações ou actividades que causem dano ao ambiente, internalizando as externalidades. Esta espécie de tributos relega, assim, para segundo plano aquela que deve ser a principal via de tratamento do problema ecológico: a prevenção (42).

A definição utilizada pelo EUROSTAT é, no entanto, fundada na base de tributação, e não na finalidade do gravame (43). Segundo o referido organismo comunitário, entende-se por eco-imposto aquele cuja “base tributável é uma unidade física (ou algo que seja um sucedâneo dela) de um determinado elemento que se provou ser especialmente danoso para o ambiente quando usado ou libertado”. A mesma definição é utilizada pela Comissão Europeia (44). Deste modo está-se, todavia, a comprometer a classificação da figura em causa como instrumento de defesa do ambiente, devido à semente de potencial ineficácia que uma definição fundada em tal critério deposita no seu seio, por ser perturba a ideia de prevenção que deve presidir à abordagem ambiental, ou, in extremis, está se a esvaziar essa classificação, na medida em que, então, todos os impostos seriam ambientais, já que viver é poluir (45).

Dos impostos ambientais em sentido impróprio ou de primeira geração, nos anos sessenta e setenta, e dos impostos ambien-tais em sentido próprio ou de segunda geração, nos anos oitenta e noventa, o fulcro da questão ambiental passou, no final dos anos noventa, para as reformas fiscais ecológicas (46). Esta última via, que parece ser a mais deseja pela União Europeia (47), envolve a substituição dos tributos existentes por impostos ambientais, tanto em sentido próprio como em sentido impróprio. Uma opção que é, todavia, marcada pela ameaça de regressividade (48). Uma vez que os tributos ecológicos assumem, predominantemente, a feição de impostos indirectos. O recurso a sistemas de benefícios fiscais e de subsídios que atenuem ou compensem tal regressividade, aparentemente uma solução para o problema, não pode, no entanto, ser considerada uma opção ideal, pela ineficiência que lhes está associada (49). Assim, a introdução de preocupações ecológicas no sistema fiscal existente, ainda que a par da adopção de tributos ambientais específicos, pode ser a melhor via de promoção da sustentabilidade. A escolha não será a revolução mas a reforma, isto é, um “processo constante de evolução, em que, ao longo do tempo, se vão introduzindo aperfeiçoamentos e adequações no esquema dos impostos” (50). Ainda que tal culmine, de tempos a tempos, num “esforço consciente no sentido de operar uma remodelação global do sistema, concebido como um todo dotado de coerência e ajustado a certos critérios orientadores” (51).

Um tratamento sistémico do problema tem ainda a vantagem de, por um lado, impedir que os poluidores reduzam a sua base tributável, sem que, simultaneamente, reduzam a poluição emitida e, por outro, de favorecer o aparecimento de sinergias. Mas implica um conhecimento minucioso, por parte dos agentes políticos, do processo produtivo global, do impacto ambiental das alternativas e das falhas do mercado que podem prejudicar a eficácia dos impostos ecológicos. Esta via tem vindo a ganhar um apoio crescente nos países da OCDE (52), sendo a Dinamarca, a Holanda e a Suécia exemplos disso (53). As instituições comunitárias têm sido das principais defensoras da reestruturação do sistema fiscal no referido sentido, isto é, de um deslocamento da tributação das actividades criadoras de valor (value added activities) para as actividades destruidoras de valor (value depleting activities) (54).

Note-se, todavia, que uma reforma fiscal ambiental deve ser implementada numa perspectiva de longo prazo (55). Uma vez que é aí que os efeitos de substituição mais se fazem sentir, pois a adaptação das estruturas produtivas, dos padrões de comportamento e a evolução tecnológica requerem tempo. E, por outro lado, a constante adopção de novos impostos ecológicos ou de substituição dos existentes pode ter como inconvenientes o risco de a tarefa se mostrar sempre como nem meia feita nem meia por fazer, retirando-lhe mérito aos olhos do público político e granjeando-lhe a oposição deste, de os custos administrativos serem crescentes e de surgirem problemas técnicos na gestão coerente de todo o sistema (56).

3. O fenómeno do deslocamento da carga fiscal (tax shift)

Em 1966, TEIXEIRA RIBEIRO, a propósito da determinação de qual deveria ser a matéria colectável dos impostos fiscais segundo o artigo 28.° da constituição de 1933, fez uma afirmação que não pode deixar de ser aqui recordada, pela relevância que tem para o aspecto que se está a analisar — “cada cidadão impõe um encargo ao resto da colectividade, não na medida do que pode gastar, mas na medida do que efectivamente gasta. E não será mais justo tributá-lo pelo encargo que lança sobre os outros do que pelo benefício que lhes traz?” (57). Também na perspectiva da defesa ambiental, seria desejável que se penalizasse o consumo e recompensasse a poupança, ao contrário do que fazem hoje os sistemas fiscais da maior parte dos países (58). Desta forma, conseguir-se-ia inverter o sentido de destruição que tem sido atribuído ao sistema fiscal (59), direccionando-o para dimensões mais criativas. Isto é, há que transmutar a destruição criativa shumpeteriana numa inovação criativa.

Duas grandes ideias presidem hoje à necessidade de reforma dos sistemas fiscais. Por um lado, há que reduzir a tributação sobre o trabalho, compensando-se a perda de receitas que daí advém com diferentes intervenções tributárias. Por outro, há que colocar as finanças públicas ao serviço da realização do direito fundamental a um ambiente equilibrado, através da figura do tributo mas sem que tal represente uma elevação da carga fiscal total (neutralidade fiscal). Sem esta manobra de reequilíbrio dos ónus fiscais que incidem sobre os factores produtivos não é possível defender, com seriedade, a adopção de tributos ambientais, pelos enormes custos económicos que daí adviriam. Está-se, pois, perante duas ideias mutuamente complementares: há que transferir parte da carga fiscal que incide sobre o trabalho, e que é hoje considerada como excessiva, para os comportamentos insustentáveis (61). Porquanto, verifica-se uma subutilização, quantitativa e qualitativa, da mão de-obra e uma sobreutilização dos recursos ambientais (62). A expressão tax shift é utilizada para expressar esta mudança.

Os impostos ambientais em geral têm-se mantido relativamente estáveis, representando cerca de 7 a 9 por cento da receita fiscal total nos países europeus (63). Os custos derivados da poluição e do desemprego representam, no entanto, entre 15 e 20 por cento do PIB europeu (64). A Comissão Europeia estimou que, em média, a tributação do trabalho (constituída pelas contribuições para a segurança social e o imposto sobre o rendimento) representava, em 1970, entre 9 e 17 por cento do PIB dos países comunitários, passando, em 1990, a situar-se entre os 11 e os 25 por cento; enquanto a carga fiscal que gravava os recursos naturais ou os bens e serviços com um impacto ambiental ou social negativo (incluindo aqui os impostos sobre a energia, os transportes (65), os combustíveis, o álcool, o tabaco, a contaminação e os bens imóveis) que, em 1970, representava entre 3 e 12 por cento do referido valor desceu, em 1990, para os 2 a 7 por cento (66). Concretamente em relação ao sector energético, estima-se que, no conjunto da União Europeia, os impostos sobre a energia se elevaram apenas de 2,6 por cento do PIB, em 1980, para 2,9 por cento deste valor em 1994(67). O que se fica a dever à excessiva concorrência fiscal entre os diversos Estados-membros (68). Calcula-se, assim, que, hoje, só cerca de 10 por cento da carga fiscal incide sobre o uso de recursos naturais, enquanto aproximadamente 50 por cento da mesma recai, directa (imposto sobre o rendimento) ou indirectamente (contribuições para a segurança social e IVA), sobre o trabalho (69). A União Europeia é, mesmo, o espaço económico onde é mais pesada a carga fiscal que grava a mão-de-obra, tendo sofrido um forte incremento nas três últimas décadas, situando-se esta em 1960 aproximadamente em 28 por cento, em 1990 em cerca de 45 por cento e atingindo em 1997 quase os 50 por cento (70); enquanto nos EUA e no Japão se tem mantido estável, não ultrapassando, nesta última data, os 35 por cento (71). O que é ainda mais preocupante quando se sabe que os custos marginais da tributação aumentam mais do que proporcionalmente ao nível da carga fiscal (72).

A reforma fiscal ecológica é vista, por alguns, como representando um sinal de esperança de desenvolvimento da economia europeia num sentido inovador, mais centrado na produtividade dos recursos e na inovação (73). O Livro Branco sobre Crescimento, Competitividade e Emprego propôs a redução da carga fiscal sobre o trabalho no valor de 2 por cento (74). A perda de receitas que esta medida envolve terá que ser compensada. A necessidade de reduzir os impostos sobre o rendimento, pela injustiça e influência distorçora sobre a economia que lhes estão associadas, sem que tal significasse uma perda de receitas foi, v.g, determinante para a introdução de vários tributos ecológicos no sistema fiscal sueco aquando da sua reforma em 1991 (75). A orientação ambiental do sistema tributário constitui hoje talvez a mais atractiva opção económica e política para a obtenção de ingressos públicos (76).

A nível político a atracção desta via manifesta-se nos menores custos eleitorais que, numa sociedade cada vez mais ecologista, estão associados a uma cobrança fiscal ambientalmente motivada por comparação com a tradicional. Mas a nível económico é também possível vislumbrar ganhos potenciais na transferência da carga fiscal do trabalho e do capital para a degradação ecológica. Os impostos ambientais podem reduzir o encargo associado à obtenção de receitas públicas, por não introduzirem novos factores de distorção mas, antes, corrigirem alguns dos já existentes elementos responsáveis pela deturpação do funcionamento da economia que dão causa a uma ineficiente afectação dos recursos, quer promovendo a redução das externalidades ambientais quer permitindo, através da sua receita, que se reduzam ou eliminem tributos fiscais aos quais está associado tal efeito de distorção, como sejam, por exemplo, os impostos sobre o trabalho (77).

A crença no facto de que, além de gerarem benefícios ambientais (dividendo ambiental), os tributos ecológicos são capazes de remover outras ineficiências introduzidas na economia pelo sistema fiscal em vigor, permitindo que o financiamento público se realize a um custo menor do que aquele que tem hoje, levou alguns a falar de um “duplo dividendo” (78) associado a estes instrumentos. Expressão com a qual se visa salientar a possibilidade de se gerar um benefício para a economia através da aplicação das receitas obtidas com a cobrança dos impostos ambientais na redução de tributos preexistentes que sejam responsáveis pela distorção do funcionamento da economia. Ou seja, coloca-se a hipótese (ainda não provada (79)) de a devolução à economia da receita obtida com a cobrança do imposto ecológico melhorar a distribuição dos recursos (dividendo distribucional), reduzir o desemprego involuntário (dividendo de emprego) e aumentar a eficiência económica (dividendo de eficiência). O que se apresenta como uma alternativa ao uso da receita em causa na realização de prestações sociais aos titulares de menores rendimentos, ou seja, no aumento da despesa pública (80).

A adopção de uma política ambiental pode mostrar-se um desbaratamento inútil de recursos quando, como acontece em todos os países industrializados, ainda que mais nuns do que noutros, o Estado, ao mesmo tempo que investe na luta contra a poluição, promove as fontes que a geram (81). Um sistema fiscal principalmente dirigido à poupança e ao investimento tende a ser prejudicial à defesa do ambiente. Se a poupança, já penalizada pela inflação, é mais tributada do que a despesa, gera-se um incentivo ao consumo. Pois, abdicar de consumir hoje pode, então, significar não consumir, em vez de representar a possibilidade de um consumo futuro. E se é verdade que a poupança e o investimento não garantem, de per se, a protecção do ambiente (82), não se pode deixar de admitir que a cultura do consumo desenfreado é a principal inimiga da preservação do equilíbrio ecológico (83), não sendo, por isso, aconselhável a manutenção de um sistema fiscal que a alimente, discriminando a favor da despesa.

4. A inevitabilidade da tributação ambiental e o caso português

Já em 1993 a OCDE se mostrava preocupada com a discrepância entre os sinais fornecidos pelo sistema fiscal português e a necessidade de proteger o ambiente (84). O sistema fiscal tem estado ao serviço do crescimento económico no seu sentido tradicional, incentivando a remodelação do aparelho produtivo através do IVA (85), o relançamento do investimento através de um regime fiscal favorável, a melhoria das condições de remuneração de capitais móveis e a promoção de concentrações através de um regime fiscal das fusões e grupos de empresas (86). Mas, segundo os dados da OCDE, Portugal é tradicionalmente um dos países que apresenta uma significativa componente de receitas fiscais geradas por impostos ligados ao ambiente (87).

A explicação para este facto não se encontra, todavia, na prematura atenção dada pelo legislador fiscal português às potencialidades da tributação ambiental (88). Antes se explica pela classificação abrangente que a OCDE utiliza, ao entender por “receitas fiscais geradas por impostos ligados ao ambiente” todas as receitas cobradas através de um imposto cuja base tributável tenha um efeito negativo sobre o ambiente, independentemente das motivações subjacentes ao tributo e dos efeitos gerados pela sua cobrança. Serão, pois, “impostos ambientalmente relacionados” o Imposto Automóvel, os Impostos de Circulação e de Camionagem, o Imposto Municipal sobre Veículos e o Imposto sobre Produtos Petrolíferos. Assim, a referida característica do sistema fiscal português é um efeito lateral da sua elevada dependência da tributação indirecta.

A reforma fiscal dos anos oitenta foi em grande parte justificada pela necessidade de cumprir as exigências e desafios resultantes da adesão à CEE. As preocupações económicas estavam no primeiro plano da agenda política e a consciência ambiental da população era pouco significativa. O reduzido desenvolvimento industrial, a necessidade de atrair investimento estrangeiro (seguindo-se tradicionalmente uma estratégia de baixo custo da mão-de-obra) e a elevada ineficiência da administração fiscal contribuíram activamente para a forte componente de tributação indirecta no sistema fiscal português.

A tributação ambiental como um projecto político só foi mencionada claramente pela primeira vez no âmbito da reforma fiscal que se iniciou em 2000(89). E é este aspecto de “efeito lateral” que explica a falta de eficácia da tributação ambiental no nosso país (90). Uma vez que a preocupação em recaudar receitas se sobrepõe à defesa do ambiente e tratando-se estas frequentemente de lógicas antagónicas a realização de uma anula o cumprimento da outra. Veja-se o caso do Imposto Automóvel, onde a lógica fiscal tem impedido a reforma de um imposto que discrimina contra a substituição de um parque automóvel velho e poluente por veículos com uma tecnologia mais limpa.

O principal poder de decisão sobre a instrumentalização do sistema fiscal à defesa do ambiente pertence de facto ao Ministério das Finanças. E parece que se deve à sua nova estratégia a maior argumentação ecológica que, desde meados dos anos noventa, é possível encontrar associada à tributação em Portugal. O Ministério das Finanças parece ter visto nos impostos ambientais um potencial bom instrumento de política financeira. Desde o final dos anos noventa é possível detectar o uso de uma argumentação ambiental para justifícar o aumento ou a introdução de impostos indirectos gravados sobre bens com um impacto ecológico negativo (91) ou a eliminação de benefícios fiscais que favorecem o desenvolvimento insustentável (92). Esta nova abordagem pode ser explicada através de uma multiplicidade de factores.

A estrutura fiscal e a administração tributária existentes no nosso país condicionam a capacidade de manobra do legislador. Entre os condicionamentos de sentido positivo, refira-se a oportunidade de reforma que se observa em alguns impostos com uma importante relevância ambiental. Toda a intervenção no sistema está, no entanto, restringida pela necessidade de não prejudicar a competitividade da economia nacional. Por outro lado, a praticabilidade de uma mudança está dependente das alianças realizadas com os demais stakeholders. A tributação ambiental é especialmente favorável ao surgimento destas alianças. O Ministério das Finanças e o Ministério do Ambiente podem ver nessa união uma nova força para enfrentar o lobby industrial. Um outro factor que tem contribuído directamente para a nova abordagem é a tomada de consciência de que, numa sociedade com crescentes preocupações ecológicas, os custos políticos e de transacção associados a uma intervenção fiscal motivada por razões ambientais são menores do que aqueles que envolvem a tributação nos moldes tradicionais.

Apreciemos, em primeiro lugar, os condicionamentos que a estrutura fiscal e a administração fiscal existentes no nosso país colocam à capacidade de manobra do legislador fiscal. Citando dados de 1998, pode-se dizer que, quando comparada com a média comunitária (31 por cento), a estrutura fiscal portuguesa tinha uma maior componente de tributação indirecta (41,6 por cento) (93). A carga fiscal sobre o trabalho, por sua vez, era menos representativa em Portugal (42,9 por cento) do que em média nos demais países comunitários (51,9 por cento) (94).

Por um lado, os motivos que justificaram este tradicional forte apoio na tributação indirecta, que já foram apontados, mantêm-se hoje. Somando-se-lhes actualmente uma preocupante generalizada percepção do sistema fiscal como injusto, que promove a fraude e a resistência a qualquer aumento da carga fiscal sobre o trabalho. Não se pode, ainda, esquecer que, mesmo sem um aumento do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, no longo prazo, o envelhecimento da população vai pressionar o aumento da carga fiscal sobre o trabalho caso não ocorra uma reforma do sistema de segurança social. Uma vez que esse envelhecimento vai envolver um incremento da despesa pública em pensões e em saúde e, sem uma inversão da tendência observada na despesa pública, tal vai acarretar a necessidade de obter mais receita (95). Ora, ceteris paribus, esse encargo fiscal tenderá a incidir principalmente sobre o trabalho. Porquanto, as pensões são financiadas predominantemente através de contribuições sobre os salários e o capital é cada vez mais uma base tributária móvel (96). Face à realidade nacional, a estratégia de concorrência fiscal seguida pelos demais países comunitários e aos desafios do mercado comum e do seu alargamento a Leste, é, pois, impensável deslocar parte da actual carga fiscal indirecta para os rendimentos do trabalho e do capital. O fulcro da fiscalidade portuguesa vai ter que continuar a ser a tributação do consumo.

O cenário actual sugere uma pressão no sentido do aumento da carga fiscal. Uma vez que a redução dos rácios de tributação que são hoje apresentados pelos países da OCDE reflectem em grande parte as tendências de contracção da despesa pública (97), que Portugal ainda não conseguiu adoptar. O esforço de consolidação fiscal realizado durante os anos noventa não teve grande sucesso na redução dos níveis de despesa (98), com o consequente reflexo sobre o rácio tributação/PIB. Por outro lado, os reduzidos níveis de rendimento e a baixa qualidade das prestações sociais existentes em Portugal geram a necessidade de melhorar os sistemas de segurança social e de aumentar as coberturas sociais. Um outro aspecto a ter em atenção é o facto de existir uma pressão para atenuar a carga fiscal sobre o trabalho, de modo a aumentar a receita tributária através da redução da fraude e a permitir uma melhoria dos níveis de rendimento. Ainda que na segunda metade dos anos noventa se tenha notado uma melhoria na eficiência da Administração fiscal, expressa no aumento das receitas cobradas (99), os níveis de fraude observados são ainda inaceitáveis (100).

Por outro lado, observam-se oportunidades de reforma em impostos com relevância ambiental. Referimo-nos ao Imposto Automóvel e ao Imposto sobre Produtos Petrolíferos, onde a falta de lógica económica e ambiental vem sendo apontada há já algum tempo, observando-se pressões por parte dos agentes económicos nacionais (principalmente no caso do IA) e das instituições comunitárias (em especial no que se refere ao ISP) para que se proceda à sua alteração. Estes tributos mostram-se particularmente relevantes como instrumentos de política ambiental no caso português. Uma vez que contamos entre os principais problemas ambientais a ineficiência energética da indústria, a forte dependência energética de combustíveis fósseis, o nível de emissões de gases poluentes, bem como os danos advenientes da congestão urbana, que também estão directamente associados ao sector dos transportes (101).

Se no futuro próximo não se pode abdicar de receita, ainda que exista uma pressão para reduzir a carga fiscal sobre o trabalho e o capital, e (consequentemente) a tributação indirecta tem que continuar a ser a principal base de apoio do sistema fiscal português, impostos sobre o consumo (como são em regra os impostos ambientais) que, tendo uma forte capacidade recaudatória (como são o IA e o ISP), não só geram uma menor resistência pública do que os gravames tradicionais, mas também prometem uma redução da despesa pública em política ambiental, não podem deixar de ser apetecidos pelo Ministério das Finanças.

Por outro lado, o crescente apoio dos ambientalistas ao uso de impostos ambientais é também previsível. O lobby ambiental carecido de ganhar poder no âmbito do processo de decisão começa a ver no novo interesse do Ministério das Finanças uma oportunidade única. A esperada redução dos fundos disponibilizados para a prossecução de políticas ambientais, devido à necessidade de contrair a despesa pública e à previsível redução dos dinheiros comunitários após 2006 (lembre-se que estes têm representado uma componente fundamental da receita no orçamento ambiental português), pressiona o Ministério do Ambiente a adoptar estratégias mais eficientes. Nota-se, por exemplo, que desde os finais dos anos noventa a política ambiental tem estado mais aberta ao investimento privado, com a assinatura de acordos sectoriais com a indústria que a envolvem activamente na prossecução dos objectivos fixados (102), seguindo uma abordagem financeira mais sofisticada. A política de concessão de subsídios (quer directos quer por via de benefícios fiscais) é cada vez menos praticável, não só pela falta de recursos como também pelos obstáculos criados pela Comissão Europeia (103). Além de que o uso de impostos ambientais cria uma esperança de obtenção de novas fontes de financiamento através do recurso ao mecanismo da consignação de receitas, à semelhança do que já acontece nos demais países comunitários. Perante a ineficácia dos instrumentos administrativos (lembre-se que, entre 1990 e 1996, Portugal apresentou das piores evoluções observadas nos Estados membros no que respeita à emissão de CO2, NOx e SO2 (104)), o Ministério do Ambiente vê-se também forçado a buscar soluções inovadoras, quer para responder à crescente procura ambiental interna, motivada pelo aumento do nível de rendimento, de informação e de consciência ambiental, quer para cumprir com as exigências que lhe são colocadas a nível comunitário. A União Europeia vem exercendo uma pressão crescente sobre Portugal para o cumprimento de padrões ambientais superiores (105).

Assim sendo, parece inevitável que, à semelhança do que vem acontecendo desde o início dos anos noventa nos demais países comunitários, o sistema fiscal português integre uma componente ambiental cada vez mais significativa, embora existam fortes barreiras internas a tal avanço (106). Prevê-se que a tendência para um maior peso da tributação indirecta face à directa no cômputo total do sistema se mantenha, mas a motivação ecológica seja mais frequentemente utilizada. E, pela necessidade de se evitar o problema da falta de legitimidade e de se responder à crescente procura ambiental, também será de admitir que a lógica ecológica ganhe uma maior importância na concepção, aplicação e reforma dos tributos para os quais a justificação ambiental seja usada.

A recente intervenção do governo nesta matéria através da criação do adicional ao ISP e a sua consignação ao Fundo Florestal Permanente parece confirmar a tendência apontada (107). Entre os meios que o governo português decidiu utilizar em sede de estratégia florestal insere-se o passo dado na Lei Orçamental de 31 de Dezembro de 2003 no sentido de introduzir um adicional ao Imposto sobre Produtos Petrolíferos e consignar a sua receita ao Fundo Florestal Permanente (108). Esta medida coaduna-se com a tendência actual de seguir um desenvolvimento sustentável, integrar as preocupações ambientais nas demais políticas, nomeadamente na política fiscal, responsabilizar o poluidor pelos custos a que dá causa e realizar um esforço para reconquistar o público político para a adopção das medidas fiscais.


Excerto de
A inevitabilidade de se avançar para a tributação ambiental…também em Portugal
Claudia Dias Soares

Revista da Ordem dos Advogados, Ano 64, Novembro 2004, pp. 459-496.

Texto completo disponível aqui.

O imposto ecológico

O imposto ecológico
Contributo para o estudo dos instrumentos económicos de defesa do ambiente

Claudia Dias Soares

Coimbra (Portugal): Coimbra Editora, 2001.


ÍNDICE

SIGLAS E ABREVIATURAS UTILIZADAS 4

INTRODUÇÃO 12



I PARTE: LOCALIZAÇÃO DO PROBLEMA

I. SINOPSE DA HISTÓRIA DAS RELAÇÕES ENTRE O HOMEM E O AMBIENTE 27
1.1. As relações entre o Homem e a Natureza 27
1.2. As pré-compreensões ambientais 36
1.3. A política ambiental - o instrumentário 37
1.4. A evolução das construções jurídicas e o ambiente. Alguns exemplos 49
1.4.1. O domínio público 49
1.4.2. Poder tributário / Ambiente 56

II. AS CAUSAS DO PROBLEMA 66
2.1. Falhas do mercado 66
2.1.1. Mercados incompletos 69
2.1.1.1. Externalidades 70
2.1.2. Falta de exclusividade (bens de acesso livre) 72
2.1.3. Ausência de rivalidade (bens públicos) 73
2.1.4. Não convexidade 74
2.1.5. Assimetria de informação 76
2.2. Falhas do Estado 78



II PARTE: OS INSTRUMENTOS DE PROTECÇÃO DO AMBIENTE: A ABORDAGEM DO PROBLEMA

1. Vias possíveis de tratamento do problema ambiental 90
1.1. Abordagem segundo a identidade do agente promotor da qualidade ambiental 91
1.2. Abordagem segundo o objectivo que preside à adopção da medida 92
1.3. Abordagem segundo a estratégia de actuação adoptada 92

2. Tipos de instrumentos ambientais ao dispor do Estado 105
2.1. A atribuição de direitos de propriedade sobre os recursos 106
2.2. Os mecanismos de comando e controlo 110
2.3. Os instrumentos económicos 122

3. Critérios que devem presidir à escolha do instrumento 194
3.1. Eficiência 194
3.2. Eficácia 196
3.3. Fornecimento de um incentivo dinâmico 199
3.4. Equidade 200
3.5. Necessidade de informação 206
3.6. Custos de administração 208
3.7. Adaptabilidade 209
3.8. Aceitação política 211
3.9. O problema a resolver 212
3.10. Fenómeno de transferência 214

4. As vantagens comparativas dos instrumentos de incentivo económico 217
4.1. Eficiência estática (menor custo) 217
4.2. Encargos da política ambiental 220
4.3. Eficiência dinâmica (inovação) 222
4.4. Nível de controlo da poluição obtido 226
4.5. Impacto sobre a indústria 227
4.6. Assimetria de interesses e de informação 232
4.7. Responsabilização e transparência democrática 233

5. Razões que justificam que as medidas de imposição tenham sido preferidas relativamente aos instrumentos de incentivo 236



III PARTE: O IMPOSTO ECOLÓGICO

1. O IMPOSTO AMBIENTAL: NOÇÃO 254
1.1. O imposto ambiental como figura do direito fiscal – problematização 263
1.1.1. As finalidades do imposto 263
1.1.2. A capacidade contributiva 278
1.1.3. A unilateralidade 289

2. O QUADRO JURÍDICO 291
2.1. O “Ambiente” na CRP 291
2.2. Enquadramento legal do imposto ecológico 292
2.2.1. No Direito Fiscal 293
2.2.2. No Direito Ambiental 330

3. ANÁLISE DA CONFIGURAÇÃO DO IMPOSTO AMBIENTAL 342
3.1. Facto tributável e matéria tributável 342
3.1.1. O elemento de conexão 348
3.2. Possíveis modalidades de impostos ecológicos 355
3.2.1. Imposto sobre emissões quantificadas 355
3.2.2. Imposto sobre produtos 372
3.2.3. Imposto sobre a extracção de recursos naturais 388
3.3. Imposto ambiental e espécies de impostos 397
3.3.1. Impostos de quota fixa / Impostos de prestação variável 397
3.3.2. Impostos periódicos / Impostos de obrigação única 397
3.3.3. Impostos sobre o rendimento / Impostos sobre a despesa / Impostos sobre o capital 399
3.4. Quantificação da obrigação de imposto 407
3.5. Os sujeitos do imposto ecológico 430
3.5.1. O sujeito activo 430
3.5.2. O sujeito passivo 456
3.6. Aplicação espacial do imposto ecológico 482
3.7. Aplicação temporal do imposto ecológico 484

4. EFICIÊNCIA FISCAL e O IMPOSTO ENQUANTO INSTRUMENTO INDUTOR DE COMPORTAMENTOS 486

5. O DUPLO BENEFÍCIO 492

6. OS PROBLEMAS ASSOCIADOS AO USO DE IMPOSTOS NA DEFESA DO AMBIENTE OU AS LIMITAÇÕES DO IMPOSTO ECOLÓGICO 499
6.1. A eficiência só se verifica quando estão presentes determinadas variáveis 499
6.2. A grande quantidade de informação necessária 505
6.3. A entrada de novas empresas para a indústria poluente 507
6.4. Um problema de equidade 508
6.5. A dificuldade em calcular a dimensão do dano ambiental e o seu equivalente monetário 518
6.6. A perda de competitividade da economia nacional 521
6.7. A resistência política à fixação do imposto nos valores correctos 529
6.8. A perda de receitas 531
6.9. A desaceleração do crescimento económico e a perturbação da economia 533

7. CASOS EM QUE A UTILIZAÇÃO DE INSTRUMENTOS ECONÓMICOS, NOMEADAMENTE, IMPOSTOS, NÃO É ACONSELHÁVEL 538
7.1. Emissões contaminantes com efeito persistente 539
7.2. Emissão de um composto de elementos poluentes 540
7.3. Emissão de substâncias causadoras de um dano não linear 541
7.4. Economias de escala e Monopólio 543
7.5. Casos em que uma mesma quantidade de determinada espécie de emissões pode causar danos marginais diversos 547
7.5.1. Variáveis aleatórias e diferente capacidade assimilativa do meio 547
7.5.2. Concentração de fontes poluentes em determinada área 549
7.5.3. Falta de linearidade ou descontinuidade da função do CME e situações de múltiplos óptimos locais 552
7.6. Concentração de emissões poluentes em determinado período de tempo 553

8. COMO PROMOVER A ACEITABILIDADE DO IMPOSTO ECOLÓGICO 555



IV PARTE: O EPÍLOGO


SÍNTESE DAS PRINCIPAIS TESES DEFENDIDAS 559

CONCLUSÃO 565

ANEXO 572

BIBLIOGRAFIA 576

ÍNDICE 635

Uma aliança entre o ministério das finanças e o ministério do ambiente com ganhos para ambas as partes

No domínio do ambiente, o uso da despesa pública como instrumento de regulamentação continua perfeitamente actual. Ainda que esse uso assuma cada vez menos a feição de uma estratégia de subsidiação directa e pontual dos agentes económicos que adoptem condutas sustentáveis, para se inserir numa intervenção contratual do Estado na economia. A transferência de recursos públicos é, assim, enquadrada por acordos ou contratos em que os agentes económicos se obrigam para com o Estado a prosseguir modos mais sustentáveis de actividade, sendo para isso apoiados e por isso compensados.

Observa-se, contudo, que a atribuição de subsídios para promover a qualidade ambiental envolve um conjunto significativo de problemas. E o volume incomensurável de informação que se mostra necessário para os resolver torna difícil a implementação de soluções de primeiro óptimo por esta via. Por essa razão, alguns autores continuam a defender que o objectivo de redução das emissões poluentes pode ser conseguido com menos custos através de um sistema que tribute essas mesmas emissões.

Mas ainda que a utilização de subsídios em sede da política ambiental se mostre problemática, estes instrumentos podem desempenhar um papel relevante em vários domínios. Ao delinear-se um sistema de auxílios a favor do ambiente, por razões que serão, em princípio, outras que não as de eficiência, é, no entanto, necessário adoptar um conjunto de cautelas de modo a não contrariar os objectivos que presidem à política ambiental, a não introduzir distorções suplementares na economia e a não violar as normas comunitárias.

Nota-se, contudo, que da mera eliminação ou alteração de alguns dos subsídios actualmente concedidos a sectores ambientalmente relevantes podem advir ganhos ecológicos significativos. Pelo que a reforma da despesa pública pode conduzir ao melhoramento da qualidade ambiental sem que tal signifique necessariamente o seu aumento, podendo, mesmo, verificar-se a sua redução. O que sugere uma aliança entre o ministério das finanças e o ministério do ambiente com ganhos para ambas as partes.

Excerto de
A despesa pública e a política do ambiente. Algumas considerações, Claudia Dias Soares
Revista Direito e Justiça, Vol. XV, Tomo 2, Novembro 2001, pp. 165-187, Lisboa (Portugal).

A articulação de instrumentos fiscais com o Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão

As propostas da Comissão Europeia sobre energia e alterações climáticas constituem um elemento essencial da Agenda de Lisboa para o crescimento e o emprego. Urge coordenar as acções no âmbito da Estratégia de Lisboa e do Programa Europeu para as Alterações Climáticas. A Estratégia de Lisboa, adoptada em 2000, estabeleceu o objectivo de "tornar a UE no espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo baseado no conhecimento e capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos e com maior coesão social". A política energética foi definida em 2006 pelo Conselho Europeu como uma das quatro prioridades da Estratégia de Lisboa. O ponto 11 das orientações integradas para o crescimento e o emprego para o triénio em curso também recomenda que os Estados-Membros aproveitem o potencial das energias renováveis e da eficiência energética para o crescimento, o emprego e a competitividade.

Tal como se refere no Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Alterações Climáticas e a Estratégia de Lisboa, a União Europeia tem de maximizar a eficiência e usar sinergias existentes sempre que possível.

As alterações climáticas podem agravar as actuais distorções e fossos sociais, quer na UE quer noutras regiões. A mudança do clima põe à prova a nossa capacidade de solidariedade. O objectivo deve ser gerir a adaptação e atenuar as consequências sem aumentar o desemprego ou as distorções sociais. O combate não pode levar ao aumento do número de cidadãos que vivem na pobreza. O CESE salienta a importância de uma Estratégia de Lisboa contínua que combine competitividade, coesão social e acção contra as alterações climáticas. (…) As repercussões para o emprego das políticas de combate às alterações climáticas serão um dos temas cruciais. O objectivo deve ser gerir a adaptação e a atenuação das consequências sem aumentar o desemprego.

Está prevista a revisão da estratégia de Lisboa pelo Conselho Europeu de Março de 2008, devendo o novo período de programação durar até 2011. Esta revisão constituirá uma oportunidade para realçar as sinergias. Entre as medidas que parecem desejáveis está a melhor coordenação dos instrumentos utilizados no âmbito das políticas comunitárias. A articulação operada entre a tributação energética e o Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão oferece um exemplo de como o actual enquadramento legislativo, quer a nível comunitário quer de alguns Estados Membros, entre os quais se conta Portugal, é passível de críticas.

Existe espaço para melhorar a articulação entre a política fiscal e a política ambiental com ganhos potenciais em sede de ambas. Os sectores energeticamente intensivos, que se contam entre os mais directamente afectados pela estratégia europeia de combate às emissões poluentes, devem ser regulados de modo a não se colocar em causa a competitividade da indústria europeia. É importante fornecer-lhes o enquadramento necessário para realizarem a transição para o novo paradigma de desenvolvimento caracterizado pela menor intensidade energética e redução das emissões de carbono e outras substâncias com efeito de estufa.

A dupla regulação actualmente existente sobre estes sectores, traduzida na aplicação cumulativa de impostos sobre o consumo de energia e o Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão é irracional pelos custos de eficiência que lhe estão associados. Porquanto, tal dupla regulação não potencia nenhum ganho ambiental extra e tem associado o risco de perda de competitividade pela economia europeia. No entanto, a concessão de isenções fiscais em sede de impostos sobre a energia aos operadores abrangidos pelo Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão, atendendo ao enquadramento legislativo em vigor, não nos parece defensável. Tal medida contraria o regime comunitário dos auxílios de Estado aprovado em 2001 e viola o Princípio do Poluidor Pagador.

De lege ferenda será de adoptar uma abordagem única a nível comunitário, a qual deve passar, por um lado, pelo fim da atribuição gratuita de licenças de emissão, como já se discute que venha a acontecer relativamente a alguns sectores para o período posterior a 2012, e o apuramento das regras de aplicação do Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão, de modo a garantir que o preço de emissão é uniforme em todo o Sistema e, por outro lado, pela isenção obrigatória de tributação energética para os sectores abrangidos por esse mesmo Sistema.

Enquanto essa atribuição continuar a ser maioritariamente gratuita, a isenção de tributação energética dos sectores em causa decidida a nível dos Estados Membros, além de implicar uma perda de receitas públicas, não é apta a melhorar os resultados obtidos, quer em termos ambientais quer de competitividade. Neste cenário, preocupações de natureza fiscal e as falhas do Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão no fornecimento ao mercado de um preço uniforme para as emissões de dióxido de carbono podem favorecer a preferência por um imposto comunitário sobre o consumo de energia em detrimento da isenção fiscal.

Quer um imposto comunitário sobre o consumo de energia em instalações abrangidas pelo Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão que substituísse os impostos nacionais sobre a energia actualmente em vigor quer a isenção fiscal obrigatória de tal consumo seriam aptos a satisfazer os objectivos ambientais caso fossem superadas as falhas deste Sistema, entre as quais se contam os problemas de hot air e de atribuição gratuita das licenças. Em qualquer caso, a certeza jurídica e a lógica de funcionamento do Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão requerem que a eliminação da dupla regulação se faça através de uma abordagem a nível comunitário, e não a nível nacional.

Excerto de
A articulação de instrumentos fiscais com o Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão, Claudia Dias Soares
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal (Almedina, Lisboa), Ano 1, N. 2, Junho 2008, 69.

Friday, October 7, 2011

A influência dos stakeholders sobre a escolha dos instrumentos de política ambiental

Pode afirmar-se que os benefícios efectivamente auferidos com a utilização de instrumentos económicos dependem, em grande medida, da existência ou não de falhas do Estado e que a eleição dos meios da política ambiental é determinada pelos benefícios e pelos custos associados a cada um deles.

O processo político de escolha dos instrumentos a utilizar na defesa do continuum naturale baseia-se, contudo, também noutros critérios que não o da mera análise custo-benefício, divergindo, por isso, frequentemente, o resultado obtido no mundo real daquele que seria o previsto segundo os modelos de economia ambiental. E esta discrepância observa-se quer a nível da intensidade e direcção dos estímulos gerados pelo instrumentário utilizado quer no que respeita à identidade dos destinatários do mesmo . Nem os meios de promoção ambiental utilizados na realidade coincidem com os idealmente propostos, nem o mercado onde os mesmos funcionam é livre de falhas.

A escolha dos meios de prossecução da política ambiental parece, então, ser determinada pelas características do problema, os interesses conflituantes a serem regulados (quer interesses inerentes ao problema quer interesses afectados pelo modo de tratamento deste) e a multiplicidade de sujeitos envolvidos, os quais são titulares de motivos diversos e tendem a definir as suas estratégias de actuação de acordo com os resultados de um processo de aprendizagem . Na escolha dos instrumentos de política ambiental será, assim, talvez menos determinante a sua aptidão para minimizar os custos de transacção inerentes ao processo de tomada de decisão ou para maximizar a eficiência em fase de implementação das opções realizadas do que a sua conformidade com determinados interesses políticos e exigências institucionais.

Os sujeitos tentarão fazer prevalecer os seus interesses quer delimitando a arena onde as decisões serão tomadas quer exigindo participar no processo de tomada de decisão. Os grupos mais influentes serão, assim, obrigados a suportar um custo marginal de controlo da poluição inferior ao dos demais. Enquanto, em sede de uma política ambiental eficiente, todos os sujeitos enfrentariam o mesmo custo marginal.

Apesar de os elementos referidos parecerem favorecer o status quo, talvez seja possível antever uma nova dinâmica a favor dos instrumentos económicos, especialmente em áreas que ainda estão por regular , como seja, por exemplo, a das mudanças globais do clima. Esta nova abordagem fundar-se-á no aumento dos conhecimentos económicos e da familiaridade com os instrumentos de incentivo, na liderança de algumas organizações internacionais, como é o caso da Greenpeace, que buscam não só a melhoria da qualidade ambiental, mas também o protagonismo, na necessidade de colocar um travão ao crescimento incessante dos custos de controlo da poluição e numa maior predisponibilidade demonstrada pela classe política para recorrer ao mercado na busca da solução para os problemas sociais.

Esta predisponibilidade é também, em parte, explicada por o desenvolvimento dos mecanismos económicos se fazer em troca da redução da necessidade de um sistema rígido de normas. Porquanto, o mesmo fornece o brilho de um movimento no sentido da desregulamentação. O que é altamente popular no actual cenário político. Note-se que a privatização dos grandes fornecedores de energia e de água traz consigo um novo manancial de oportunidades para uma gestão ambiental mais e melhor direccionada no sentido da protecção do equilíbrio ecológico. Pois, os recursos naturais não vão poder continuar a dar resposta à crescente procura se não se operar uma mudança radical no sistema de cobrança, que, actualmente, não reflecte os verdadeiros custos, e se não for aplicada a regra da precaução.

Por outro lado, os instrumentos de incentivo tornam-se gradualmente mais atractivos, por a “indústria ambiental” estar mais sensibilizada para eles, por o envelope legislativo se lhes vir oferecendo mais propício , por os grupos representativos dos interesses de protecção ambiental serem cada vez mais interventores e agressivos e por o consumidor, progressivamente, se ir consciencializando da sua responsabilidade num desenvolvimento sustentável.

Num tempo em que os meios tradicionais de captação de recursos se encontram esgotados, a crise financeira do Estado, que decorre da expansão das suas tarefas, traz inerente a necessidade de descobrir novas fontes de financiamento. O que torna os mecanismos propiciadores de receitas, como sejam, por exemplo, os impostos ambientais, extremamente apetecíveis. Os governantes começam a ver neste tipo de instrumentos a solução para parte dos seus problemas. Pois, se a promoção da sustentabilidade integra hoje, em todo o mundo ocidental, o conjunto de funções atribuídas aos entes públicos e uma das principais inquietudes do tempo presente e do que está para vir, a adopção de uma estratégia eficaz susceptível de se auto-financiar seria ouro sobre azul.


Excerto de
A influência dos stakeholders sobre a escolha dos instrumentos de política ambiental, Claudia Dias Soares
Livro de Homenagem a Professor Doutor Ribeiro de Faria
Coimbra Editora, Porto (Portugal), 2003.

A importância da intercepção ‘política do ambiente’ – ‘política energética’

No domínio energético é especialmente relevante a afirmação de que algumas intervenções do Estado podem ajudar o governo a atingir objectivos de política social mas simultaneamente contrariar outras metas políticas a que o mesmo se tenha proposto, como seja, v.g., a promoção do aumento do uso de energia renovável. Ao atribuir preponderância aos objectivos sociais, o Estado pode levar a cabo uma política de financiamento das energias mais utilizadas (i.e., as tradicionais) ou influenciar de outra forma a combinação energética adoptada pela indústria (tanto a indústria transformadora como a indústria produtora de energia) em termos que impedem a correcta consideração de todos os custos e benefícios inerentes às diversas opções.

No caso português, o grau de competência tecnológica e institucional para a resolução dos problemas ambientais associados à produção e ao consumo energético apresentado pelo país foi determinado mais fortemente pelos elementos que Weidner e Jänicke denominaram como ‘condições estruturais básicas’. Ou seja, percebe-se que o desenvolvimento da política energética foi, em grande parte, consequência de uma abordagem fortemente centrada na protecção da competitividade nacional de uma indústria monodependente de combustíveis fósseis, nas preocupações sociais que o impacto regressivo da tributação energética pode desencadear e na capacidade recaudatória de um sistema fiscal essencialmente assente na tributação indirecta. Mas, para além destes aspectos, um outro factor parece ter influenciado o desenvolvimento de fontes de energia renovável em Portugal. Este desenvolvimento parece ter sido negligenciado também em consequência dos elementos específicos ‘actores’ e ‘estratégia’ observados no caso nacional. Porquanto, a debilidade da abordagem sustentável do sector energético explica-se em parte pela falta de grupos de interesse que actuem nestes domínios, em contraste com o que se observa, v.g., em Espanha.

Outros motivos que se encontram para o fraco desenvolvimento das energias renováveis em Portugal, apesar das boas condições disponíveis, em especial para o aproveitamento de energia solar, é o nível reduzido e a estabilidade do preço da energia fóssil e o baixo rendimento das famílias para investir em energias limpas. Isto é assim apesar de Portugal estar entre os países da UE onde o consumidor privado mais paga pela electricidade, tendo em conta o poder de compra das famílias. A vantagem comparativa das energias tradicionais ainda não foi contrariada pelos incentivos atribuídos à exploração de energias renováveis de forma a inverter o padrão evolutivo do consumo.

Apesar de a redução do preço real da energia ter contribuído para o padrão evolutivo ambientalmente negativo do consumo energético e de tal problema poder ser corrigido através de um imposto sobre a energia, sobre o próprio consumo ou sobre as emissões de substâncias poluentes geradas a partir desse consumo, como se observa em diversos outros países, Portugal tem defendido a não tributação do consumo energético , por temer o impacto que o aumento do preço da energia pode ter quer sobre a competitividade da energeticamente ineficiente indústria nacional quer sobre a qualidade de vida dos cidadãos. Receios que se mostram fundados tendo em conta os baixos níveis de rendimento per capita nacionais e o impacto regressivo da tributação energética. Tem-se, por isso, tentado dar resposta à necessidade de se actuar a este nível através de outro tipo de medidas como as que são descritas ao longo deste trabalho.

Parece importante que na política de incentivos prosseguida se atenda à necessidade de promover um mercado concorrencial para a energia, sem limitação dos preços que impeça o mercado de reflectir a escassez dos recursos (como ainda acontece nos casos do diesel rodoviário e da gasolina sem chumbo) e com um mais completo reflexo do custo de oportunidade no preço da energia, nomeadamente, mediante a interiorização das exterioridades sempre que tal se mostre possível e o afastamento de situações de subsidiação cruzada. Porquanto, a intervenção reguladora seguida parece não ter realizado adequadamente os objectivos a que se propôs se se analisar o padrão evolutivo do consumo energético, quer em termos quantitativos (valores absolutos e medidas de eficiência) quer em termos qualitativos (os combustíveis fósseis continuam a ser a principal fonte energética utilizada pelos sectores mais energeticamente intensivos, nomeadamente os transportes e a indústria).

Nos anos noventa, o limite estabelecido pelo governo para o preço da energia visava proteger o consumidor de abusos. Estes limites têm vindo a ser progressivamente retirados, tendo-se, no entanto, prolongado no caso da gasolina e do gasóleo rodoviário. Mas a partir do momento em que existe um mercado concorrencial para o fornecimento destes combustíveis deixa de existir uma racionalidade económica para a manutenção de tais limites , desde que se assegure o funcionamento concorrencial do mercado.

Com o aumento do número de projectos elegíveis para a obtenção de ajudas e a necessidade de contrair a despesa pública, parece importante que se enfatize a característica da eficiência económica dos projectos beneficiados com o apoio público e a redução gradual dos custos de exploração das energias renováveis. No caso do gás natural, em concreto, que não é uma energia renovável mas cujo aumento do consumo serve o objectivo de diversificação energética, a AIE recomenda que se reduzam gradualmente os incentivos conferidos à medida que o mercado atinge a maturidade, de modo a não distorcer o seu funcionamento a favor desta fonte energética.

O alcance limitado dos benefícios fiscais existentes e a carga tributária que pesa sobre a actividade de exploração de energias renováveis, nomeadamente as taxas devidas pela instalação de unidades de produção de energia hidroeléctrica por uma pequena central hidroeléctrica e a renda devida pelo proprietário de centro electroprodutor aos municípios cuja circunscrição seja atingida pela zona de influência das instalações , são apontados como entraves ao desenvolvimento da indústria energética a partir de fontes renováveis em Portugal . Porquanto, o elevado custo de investimento e exploração de centrais geradoras de energia a partir de fontes renováveis torna frequentemente difícil atingir níveis positivos de rendibilidade económica do projecto antes de se atingir uma elevada quota de mercado. Mas tal só deve ser aceite como uma crítica aplicável a algumas das espécies de fontes de energia renovável disponíveis.

No domínio dos parques eólicos o número de pedidos de licenciamento pendentes demonstra que hoje já é rentável economicamente a exploração desta espécie de energia renovável em Portugal. O que se deve em grande parte às generosas ‘tarifas verdes’ aprovadas pelo Governo. Mas este potencial, que foi criado através de medidas de despesa pública, não está a ser plenamente aproveitado devido a uma falta de abordagem integrada e racional do sistema. O atraso que se nota nos processos de licenciamento dos parques eólicos tem duas causas principais. Por um lado, verifica-se uma morosidade inerente ao próprio procedimento administrativo e à intervenção no processo de organizações ambientalistas que manifestam oposição à implantação de aerogeradores em zonas ambientalmente protegidas mas também especialmente aptas à exploração desta espécie de energia. Por outro lado, padece-se de uma instabilidade legislativa que tem afectado o investimento neste domínio. Assim, importa dedicar especial atenção a esta espécie de energia, onde os exemplos de outros países, como, v.g., Espanha, nos demonstram que poderá residir um importante contributo para o cumprimento dos objectivos definidos em sede de política energética e das obrigações assumidas a nível internacional. Além de que um tratamento pouco cuidadoso deste tema pode impedir a captação de investimento internacional relevante e o desenvolvimento de novos sectores económicos com uma forte componente tecnológica e de capacidade de criação de emprego.

O objectivo ambiental em termos de emissões atmosféricas que se deverá pretender com o programa de política energética nacional é a redução em 2010 dos gases com efeito de estufa em 27 por cento relativamente a 1990, tendo em conta os compromissos assumidos. Os meios para conseguir atingir essa meta passam pelo reforço da capacidade e da qualidade das redes eléctricas, a maior racionalidade energética na indústria e nos edifícios. Em geral pode-se afirmar que os apoios concedidos, quer tendo em conta a sua intensidade quer a sua duração, são aptos a gerar um importante apoio ou boas condições de mercado no caso da energia obtida a partir de parques eólicos instalados em terra e de mini-hídricas, bem como de energia maremotriz e solar térmica, sendo de esperar resultados fracos no caso dos incentivos concedidos à exploração de electricidade e calor a partir de biomassa e à incineração de resíduos.



Excerto de
A importância da intercepção ‘política do ambiente’ – ‘política energética’. O caso português ao longo do período 1994-2004, Claudia Dias Soares
Revista CEJ (Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários), N. 30, Setembro 2005, Brasília (Brasil), pp. 40-49.

A Consignação de Receitas Fiscais

Actualmente, coloca-se com maior acuidade o problema da consignação de receitas, num esforço de reconquista do público político para a adopção das medidas fiscais que se impõem. Tal fenómeno explica-se pela necessidade crescente de receitas por parte do Estado , a par da quebra do consenso no debate sobre o bem-estar, que se iniciou nos anos 70, acompanhada do aumento das discussões sobre as prioridades sociais, da maior exigência de transparência e responsabilização na gestão do aerarium, com uma cada vez maior resistência à passagem de cheques em branco aos poderes públicos.

A centralização administrativa, que foi responsável pelo abandono do sistema original de estreita ligação entre a cobrança do imposto e as despesas cobertas pelas seus ingressos, perdeu muita da sua autoridade. Os cidadãos encaram a elaboração dos orçamentos públicos como um processo pouco transparente, sem respeito por critérios de racionalidade económica, atendendo, preferentemente, a juízos de rivalidade política.

Talvez o regresso à vinculação dos ingressos tributários tenha um papel extremamente importante a desempenhar a nível da confiança nos poderes públicos e da sua responsabilização, garantindo o apoio político de que uma reforma fiscal carece, num momento em que se pretende evoluir de um sistema fundado na tributação do valor criado para um outro, mais racional e sustentável, assente na tributação dos recursos destruídos.

Mas qual a natureza e a intensidade que devem ser adoptadas nessa vinculação?
Os conceitos que expressam esta realidade são uma constante na literatura sobre as novas direcções da política tributária. No entanto, tal como acontece relativamente à sua utilização nos demais domínios, também aqui as vozes se dividem entre os que a criticam e os que a defendem. E nem mesmo estes últimos conseguem chegar a um consenso no que respeita aos moldes em que aquela se deve processar. Diferença essa que para alguns é meramente de grau, enquanto que para outros é de tal forma essencial que pode determinar o sucesso ou o falhanço de uma nova fiscalidade. A noção de “vinculação funcional de receitas” começa a ser encarada como uma perspectiva promissora neste campo. Os vários exemplos disponíveis talvez permitam retirar algumas conclusões a esse respeito, oferecendo respostas aos argumentos dos economistas ortodoxos de que a vinculação de receitas provoca ineficiência e introduz distorções no sistema, devendo os níveis e o elenco de prioridades das receitas e das despesas ser fixados autonomamente, com base nos seus méritos intrínsecos.

Excerto de

A afectação de receitas tributárias no novo quadro das finanças públicas, Claudia Dias Soares
Revista dos Tribunais, Ano 90, Vol. 785, Março 2001, pp. 11-35, São Paulo (Brasil).
A responsabilidade do Estado é, portanto, a de demonstrar que cobra com justiça aquilo que é devido e que o aplica com justiça e com eficiência
António Sousa Franco, I Congresso Português de Ética Empresarial, 25.05.1996


A importância do controlo das finanças públicas
A criação de consensos passa pela criação de arranjos institucionais no âmbito dos quais os representados e o governo possam explorar os potenciais ganhos da realização de transacções. Assim, para que um consenso possa emergir é necessário que tais arranjos existam . Todavia, boa parte desta discussão parte do pressuposto de que os agentes respeitam as regras do jogo, pois de outro modo a realização de acordos está dificultada pelo facto de receio de ‘deserção’ (i.e., falta de cumprimento) da outra parte, por esta não temer a penalização que daí decorre . Este pressuposto não é, no entanto, universalmente válido, pense-se, v.g., nos sistemas políticos de muitos países em vias de desenvolvimento.

O aumento da transparência e da responsabilização no processo de decisão financeira torna mais custoso para os agentes violar as regras ou renegar os acordos . Deste modo, os agentes tenderão a respeitar a hierarquia de prioridades inicialmente definida e a diligenciar no sentido da obtenção dos resultados a que inicialmente se obrigaram, excepto no caso de alteração superveniente grave das circunstâncias, caso em que poderão recorrer a este facto para justificar uma alteração daquelas prioridades.

Por outro lado, a ilusão do contribuinte induzida pelo decisor público interessado na manutenção dos níveis de despesa pública, fazendo aquele perceber o custo dos programas de despesa pública como menor do que efectivamente é, baseia-se frequentemente na ausência de técnicas orçamentais de medida e controlo da despesa. A complexidade do processo orçamental e a falta de transparência intencional que o regulador lhe introduz contribuem para a colocação do eleitor numa situação de informação incompleta relativamente à aplicação dos recursos público.

Para além disso, uma vez que os recursos que financiam o orçamento público são recolhidos da generalidade dos cidadãos, mediante principalmente a cobrança de impostos, o custo das prestações públicas solicitadas por cada sujeito tende a ser percebido por este num valor inferior ao custo social total que os programas de despesa em causa envolvem. E como os benefícios são concentrados no conjunto restrito de sujeitos que consomem os serviços e bens fornecidos pelo Estado, a sua dimensão vai ser sobrestimada por cada um destes. Assim, grupos restritos de sujeitos a exercer uma procura de fornecimentos públicos tenderão a pressionar por um nível de despesa pública superior ao óptimo social. Este raciocínio mostra a necessidade de adoptar mecanismos de controlo e condicionamento do orçamento na vertente da despesa. E esse controlo tem que ser substancial, averiguando-se a conformidade da atribuição de recursos públicos com o interesse público e aferindo-se a coerência de cada atribuição com a lógica do sistema . O desenvolvimento das concepções funcionais de finanças públicas, que tomam o orçamento do Estado como um instrumento de acção económica, veio pressionar no sentido da necessidade de instrumentos de controlo da despesa pública que permitam averiguar da sua adequação aos resultados económicos visados, não se bastando com um controlo de mera legalidade.

Esta discussão insere-se numa outra, mais ampla, que se traduz na necessidade que os governos cada vez mais sentem de tentar melhorar a eficácia e transparência das normas jurídicas, para o que carecem de uma avaliação analítica sistemática dos efeitos que as alterações propostas implicam para a sociedade em geral e para os agentes económicos em particular. A avaliação do impacto das normas jurídicas (Regulatory Impact Analysis, RIA) surgiu nos anos oitenta e abrange um conjunto de métodos destinados a calcular os efeitos positivos e negativos das normas existentes ou em elaboração. Esta avaliação deve servir como um guia para melhorar a qualidade da decisão política e administrativa, tendendo para a neutralidade e objectividade e servindo importantes valores de transparência, participação cívica e responsabilização dos diferentes actores intervenientes na actividade do Estado. Os seus principais objectivos resumem-se a quatro. Primeiro, visa-se o aumento do conhecimento do impacto real de determinada acção, incluindo os seus custos e benefícios. Segundo, pretende-se a integração de uma multiplicidade de objectivos políticos, funcionando como um instrumento de avaliação e de coordenação, ao forçar o decisor a tomar em consideração não apenas os seus objectivos estritamente considerados, mas também a globalidade dos efeitos produzidos, daí que, v.g., se deva aferir o potencial efeito neutralizador que pode ocorrer quando um novo benefício fiscal é introduzido no sistema legal já em vigor. Terceiro, busca-se a promoção da transparência e da concertação social. E, por fim, empreende-se um esforço no sentido do aumento da responsabilização, permitindo a demonstração de como a acção do Estado beneficia ou não a sociedade e diminuindo a desresponsabilização que muitas vezes decorre da ignorância dos efeitos das acções empreendidas.

A tradicional falta de controlo público de que a despesa fiscal tem beneficiado prende-se com o seguinte raciocínio: quando os cidadãos transferem recursos para o Estado, eles têm o direito de saber como esses recursos são aplicados e de controlar esse uso; mas no caso dos benefícios fiscais o que acontece é a não cobrança do imposto, pelo que nada há a controlar. Contudo, uma concepção mais abrangente da função das contas públicas conduz-nos a um resultado diferente. Se se entender que o seu objectivo não se resume ao controlo do uso de recursos públicos mas abarca a análise do impacto do sector público na economia e se se aceitar, como defendeu Surrey, que a despesa fiscal é funcionalmente equivalente a um programa de despesa pública directa, a consequência é a de que é necessário controlar tanto a receita fiscal cobrada como a perdida , devendo aplicar-se a ambas as mesmas técnicas contabilísticas e a mesma categorização funcional . Esta orientação será tanto mais válida quanto mais a despesa pública que assume a forma de transferências predominar sobre a que se realiza através de compras, como acontece hoje na maior parte dos Estados membros da OCDE. A distinção entre tributação e despesa pública tende, então, a esbater-se, em virtude da enorme simetria que se observa entre a função distributiva da política fiscal e a função distributiva do sistema de transferências . A classificação dos benefícios fiscais como despesa pública permite alargar o leque de opções disponíveis para a redução do défice público, bem como controlar as situações de planeamento fiscal ou evasão fiscal lícita que pressionam o aumento das taxas marginais e, consequentemente, promovem a fraude fiscal . E quando o aumento da tributação está subordinado a requisitos formais especialmente rigorosos, o entendimento contrário, que conduz à classificação das eliminações de benefícios fiscais como um aumento dos impostos, pode tornar mais difícil reduzir a despesa fiscal do que cortar na despesa directa.

(...)

Um sistema de controlo da despesa pública deve atingir três objectivos: instigar a disciplina orçamental, facilitar a hierarquização estratégica da despesa ao longo de programas e projectos e encorajar a eficiência técnica no uso dos recursos orçamentais, ou seja, na obtenção dos resultados ao menor custo possível. Requer-se, assim, a ultrapassagem dos problemas advenientes, 1), da existência de um fundo de recursos comuns, onde a percepção dos custos de uso é vaga, 2), da dificuldade de conhecimento da preferência dos cidadãos e das situações de ‘passageiro borlista’ e, 3), da verificação de assimetrias de informação e de incompatibilidade de incentivos na estrutura hierárquica da Administração (v.g., a ocorrência de um problema de relação principal-agente entre o ministério das finanças e os demais).


Excerto de
O controlo ex ante e ex post da despesa fiscal, Claudia Dias Soares
AA VV, Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Professor Doutor António de Sousa Franco, Almedina, 2006.

A análise económica do Direito e o problema ambiental

Hoje não se pode ignorar que o Estado e o mercado são instituições que envolvem um potencial para promover resultados cooperativos e uma acção colectiva. Está tão ultrapassada a teoria fiscal britânica, construída sobre as ideias de Locke, de que o mercado deveria ser a regra e o Estado a excepção, como a abordagem continental, representada por autores como Pantaleoni e De Viti De Marco, que sempre afirmou que o sector público detinha, à partida, uma potencialidade igual à do sector privado, fundando uma teoria económica dos bens públicos . Tem-se consciência de que não é possível, em abstracto, determinar qual é a instituição que deve ter a prevalência na tarefa da afectação dos recursos, não se podendo afirmar, em geral, que a melhor solução para lidar com o problema das externalidades é um imposto, tal como não se pode defender que é outro qualquer instrumento, porque tal apenas seria verdade no mundo ideal de custos de transacção nulos, no qual nem a recolha de informação nem a administração das medidas eleitas gera quaisquer encargos . O que neste breve apontamento se pretende é realçar o facto de que não é indiferente nem em termos de eficiência nem em termos de equidade a distribuição inicial dos direitos a que se proceda e, por isso, o Estado carece de assumir esta como uma opção política e utilizar os instrumentos de política ambiental em coerência com a opção realizada. Uma vez que a regulação das externalidades gera impactos distributivos e de eficiência diversos. E a forma sob a qual o Estado decide intervir na organização social, nomeadamente no fenómeno económico, determina, inter alia, o espaço deixado à auto-correcção do mercado (v.g., a utilização de subvenções directas coarcta mais a liberdade dos agentes económicos do que o uso de medidas de despesa fiscal).

Excerto de
A análise económica do Direito e o problema ambiental: A distribuição dos direitos - Claudia Dias Soares
Ars Iudicandi - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, Jorge de Figueiredo Dias; José Joaquim Gomes Canotilho; José de Faria Costa (Org.), Vol. III (Coimbra Editora, Coimbra), 2008.

10ª Edição da Conferência Mundial sobre Tributação Ambiental, Lisboa 2009

A décima edição da conferência mundial sobre tributação do ambiente (GCET 2009) realizou-se em Lisboa na Fundação Calouste Gulbenkian nos dias 23, 24 e 25 de Setembro de 2009, tendo como tema a gestão da água e as alterações climáticas.

Os resumos das apresentações realizadas ao longo dos 3 dias podem ser consultados aqui.

Um conjunto de comunicações seleccionadas pelo comité científico da GCET 2009 foi publicado pela Oxford University Press (Critical Issues in Environmental Taxation, Vol. VIII).



Tenth Global Conference on Environmental Taxation
Water Management and Climate Change
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal, 23-25 September 2009
Conference Proceedings

O que é um imposto ambiental?

A definição de um imposto ambiental não depende da vontade de quem assim o classifica. E o Princípio da Equivalência que consta do Artigo 2º do Código dos Impostos Especiais de Consumo só por ignorância e incapacidade de distinguir os impostos ambientais dos impostos relacionados com o ambiente se pode considerar o fundamento legal dos primeiros.

Antes de tudo, é preciso eleger uma base fiscal com relação de causalidade directa com o dano. Por exemplo, se estamos a tentar reduzir os resíduos domésticos, não faz sentido tributar os sujeitos em função do consumo de água: não é em função dela que se produzem os resíduos e, se queremos pressionar as famílias no sentido da reutilização e da reciclagem, o seu consumo não influencia o facto da pessoa ter mais ou menos quantidade de resíduos reciclados ou reutilizados. O importante, neste caso, é actuar directamente sobre os resíduos. Portanto, a base fiscal é fundamental.

Em segundo lugar, tem de haver uma alternativa mais sustentável àquilo que tributamos, caso contrário, a mensagem que passa é que se pretende apenas a receita e não alterar os comportamentos, uma vez que as pessoas não podem alterá-los. Por exemplo, tributar o uso do veículo particular sem criar um sistema público de transportes que seja eficaz não faz sentido, porque as pessoas não têm alternativa.

Temos, também, de eleger como contribuinte de facto, aquele que paga, os sujeitos que controlam o consumo que provoca danos ambientais. É igualmente importante saber se estamos a falar de alguém que tem a possibilidade de optar ou não. Se estamos a falar de necessidades essenciais, que não podem ser satisfeitas de outra forma, a margem de manobra é quase inexistente. Existem estudos nesta matéria, por exemplo, em relação ao consumo de água na agricultura: consoante as regiões existem tipos de solo que só permitem determinado tipo de culturas e são elas que determinam a quantidade de água utilizada. Apesar de ser um sector que usa muita água e muitas vezes a desperdiça, não faz sentido tributar o seu consumo na agricultura para alterar comportamentos. Faz sentido, sim, impor um preço para depois obter receitas e com elas renovar as infraestruturas de forma a garantir que não haja perdas ao longo do sistema. Já na indústria esta tributação pode fazer sentido. Portanto, há que fazer uma diferenciação. Outro aspecto importante a ter em conta quando se desenha um imposto ambiental é que não se pode deixar ao sujeito outra opção que não seja alterar o seu consumo. Isto significa que não se pode isentar, ou seja, proteger economicamente, sujeitos que, de outra maneira, pagariam um montante de imposto elevado. Isto vai fazer com que os grandes poluidores continuem a ser grandes poluidores porque o instrumento, para eles, não funciona. E, se não funciona para os grandes poluidores, não faz sentido adoptar o instrumento.

Se respeitarmos todas estas condições e se o consumidor for esclarecido e racional, a procura vai incidir sobre o bem ou serviço cujo preço é mais baixo, que será também o menos poluente. Nestas condições, o mercado vai ter interesse em ir ao encontro da procura e em começar a desenvolver opções mais sustentáveis.

Isto está comprovado. Na Suécia, por exemplo, o imposto sobre os óxidos de azoto (NOx), adoptado em 1992, tinha permitido, até 1998, uma redução de 30% das emissões, sem que houvesse prejuízo para a industria. Isto foi conseguido, reciclando-se quase toda a receita dentro do próprio sector. Com esta medida, o Estado não ficou com a receita fiscal, não estando sujeito à crítica de que era um imposto que visava apenas obter receita e a reciclagem foi feita com base num critério ambiental. Quanto maior a eficiência energética da empresa, maior era a parte da receita fiscal atribuída. Houve ganhadores e perdedores dentro da própria indústria mas, tanto a introdução do imposto como a devolução das receitas, foram feitas com base num critério ambiental.

Na Dinamarca, o imposto sobre resíduos, aplicado em 1987, aumentou a reutilização e reciclagem de 21% para 50%, entre 1985 e 1993, e para 61% em 1995. Uma grande parte destes resíduos vinha do sector da construção e eram resíduos que antes eram deitados fora. A partir do momento em que se introduziu o imposto passaram a ser reutilizados. Este imposto foi configurado de forma a ser pago sobre a quantidade de resíduos que era produzida por cada sujeito e não em função de qualquer outro consumo que indirectamente estivesse ligado à produção de resíduos.

Outro exemplo: a Irlanda com o imposto sobre sacos de plástico. Foi introduzido um imposto de 15 cêntimos, em 2002, quando os sacos de plástico representavam 5% dos resíduos. Houve uma redução em mais de 90% do uso e os sacos de plástico passaram a representar 0,3% da quantidade de resíduos. Isto significa que houve uma redução de 94% deste tipo de resíduos. Estes são três exemplos de como os impostos ambientais podem funcionar, desde que sejam bem concebidos e utilizados.

Repensar a política energética

Há que repensar as políticas públicas à luz do novo paradigma civilizacional que está subjacente ao conceito de desenvolvimento sustentável. Em Portugal, a política energética oferece-nos um bom exemplo de como a intervenção do Estado pode simultaneamente prejudicar o ambiente e as finanças públicas.

As causas de degradação ambiental encontram-se frequentemente nas falhas do mercado, quando os preços não reflectem correctamente o verdadeiro custo ou beneficio dos consumos ou a escassez dos bens, mas também nas falhas do Estado, quando este financia bens ou comportamentos que degradam o ambiente. Em ambos os casos, vão-se impor custos a quem deles não beneficia. Tal solução é injusta e economicamente ineficiente por gerar níveis de procura em que a sociedade tem mais custos do que benefícios. Num tempo de crise financeira existe uma janela de oportunidade para se corrigir estes erros. Colocar um preço no ambiente, através de impostos verdes, e eliminar subsídios que distorcem a procura em sentido ambientalmente perverso gera receitas públicas e reduz a poluição.

Porquê continuar a obrigar o comercializador de electriciade a comprar a preço-prémio energia eólica, passando esse custo para o consumidor através de uma subida significativa das tarifas de electricidade, quando se pode tornar a energia limpa mais competitiva pela mera correcção dos preços? Os produtores de electricidade que utilizam combustíveis fósseis são poluidores, mas ainda assim recebem pelo menos 90% dos seus direitos de emissão gratuitamente. E lucram com isso. Recebem gratuitamente um activo com valor no mercado (as licenças) que capitalizam, integrando-o na sua estrutura de custos e passando-o para o consumidor. Porque não tributar esse ganho (windfall profit) como recentemente o governo irlandês, no seu esforço de consolidação orçamental, decidiu fazer?

Continuar a compensar as renováveis pelos custos das externalidades geradas pelas fósseis e espalhar esse encargo por todos os consumidores de energia prejudica a atractividade de estratégias de composição do pacote energético com cada vez mais renováveis e gera uma opinião pública desfavorável a estas, embora sejam estas as que podem garantir um maior benefício social. As renováveis também devem ser pressionadas a tornarem-se cada vez mais competitivas. O que se consegue obrigando-as a ir ao mercado vender a sua produção, mesmo que haja garantia de aquisição, como acontece em Espanha, em vez de se estabelecer administrativamente um elevado preço-prémio, como se faz cá.

A futura estratégia energética da União Europeia tem que passar pela segurança do fornecimento, por uma economia de baixo carbono e pela competitividade em termos energéticos (i.e., eficiência). Manter os subsídios às fósseis prejudica todos estes objectivos, além de dar um sinal errado ao mercado, perpetuando a atractividade dos investimentos nas fósseis. O que atrasa o desenvolvimento de tecnologias e processos de apoio às renováveis e, consequentemente, atrasa a sua competitividade.

A folga financeira assim criada poderia não só melhorar as contas públicas mas também permitir um maior investimento na rede de transporte, de modo a torná-la apta a receber cada vez maior quantidade da energia intermitente das renováveis, e na manutenção de capacidade de reserva para acudir a problemas de falhas nas renováveis.


Artigo publicado no Jornal de Negócios, 10 Janeiro de 2011, link para artigo.

Impostos ambientais em Portugal...?

Portugal não tem "impostos ambientais", tem, sim, muitos impostos relacionados com o ambiente, que incidem principalmente sobre os combustíveis e os transportes. Merece, no entanto, uma referência positiva o Imposto Automóvel. Passemos à explicação da primeira frase.

O que é entendido como um imposto ambiental são imposições fiscais que conseguem alterar os comportamentos. Ou seja, trata-se de um instrumento extra-fiscal, cujo objectivo não é a obtenção de receita (ainda que esta seja obtida, como acontece com qualquer imposto). O seu grande objectivo é alterar os comportamentos e, se assim é, tem de haver um cuidado especial na configuração desse imposto. Dois aspectos fundamentais a ter em conta é saber quem deve ser tributado e a que taxa se vai tributar. Se a intenção é alterar comportamentos tem de haver, necessariamente, uma taxa superior à que existiria se o objectivo fosse obter receitas. Por outro lado, tem de se atingir os sujeitos que têm o poder para alterar os comportamentos.

O que tem existido em Portugal, no entanto, são medidas fiscais com falsas pretensões ambientais. Um dos exemplos foi o imposto sobre os produtos petrolíferos: no passado tínhamos uma diferenciação a nível do enxofre. Esta diferenciação, que existiu em quase todos os países europeus, tinha como objectivo reduzir as emissões de enxofre. Em Portugal procedeu-se a uma redução da taxa de imposto para os combustíveis que tinham menos enxofre mas permitiu-se que a indústria continuasse a vender ao mesmo preço os dois tipos de combustíveis. Ou seja, o ganho fiscal que estava a ter não passou para o consumidor. Isso não seria tão negativo caso tivessem sido tomados alguns cuidados na configuração do imposto, não isentando do mesmo os maiores poluidores. Como tal não aconteceu, as principais empresas emissoras de enxofre e a indústria de refinação de produtos petrolíferos, que faziam parte de um mercado quase monopolista, sem concorrência, não fizeram o investimento na dessulfuração do combustível que deveria ter sido feito. O resultado foi que, com excepção da indústria poluidora, ninguém ganhou: nem os consumidores, porque o combustível ficou sensivelmente ao mesmo preço, nem o ambiente. O efeito que se pretendia não foi atingido. Na Suécia fez-se algo de muito semelhante com a diferença de que os maiores emissores de enxofre passaram a ser tributados, isto é, não ficaram isentos de imposto. Como consequência, a indústria investiu e houve um ganho substancial com a medida: ao final de alguns anos, havia uma redução significativa da quantidade de enxofre no combustível. Em Portugal, só depois de surgir a directiva que limitou o nível de sulfúreo, é que se começou a reduzir a quantidade desta substância no combustível. O mercado do combustível limpo foi quase inexpressivo ao longo do tempo que esteve em vigor a medida fiscal.

Existem ainda medidas fiscais com boas intenções mas com uma eficácia ambiental aquém do seu potencial. É o caso do actual Imposto Único de Circulação. Este é um imposto que grava a circulação automóvel e os veículos são poluentes quando circulam. Ora, este imposto é cobrado ao proprietário, tenha ele o veículo na garagem ou não. Portanto, esta é uma medida fiscal que potencialmente funciona bem mas que, se é cobrada ao proprietário do veículo, não diferencia entre quem polui e quem não polui (ou entre quem polui muito e quem polui pouco).

Além destas, existem outras medidas fiscais, geradoras de despesa pública e com reduzido impacto ambiental. Sobre esta matéria - que se refere sobretudo aos benefícios fiscais - há vários estudos feitos. Eles funcionam, essencialmente, como sinalizadores. Isto é, os consumidores e contribuintes têm noção de que determinado comportamento é positivo e desejável porque há um benefício fiscal para eles mas, nos casos referidos, poucos são os sujeitos que, efectivamente, realizam o comportamento por causa do seu benefício fiscal. É o caso dos subsídios à aplicação de equipamentos para utilização de energias renováveis, que já existem em Portugal há algum tempo. Este é um investimento que pode ser deduzido no IRS de quatro em quatro anos. Antes não se podia acumular com os juros do empréstimo à habitação e, portanto, a maior parte das pessoas nem sequer podia utilizar o benefício fiscal. Hoje, podem utilizá-lo, mas a maior parte das pessoas não faz o investimento por causa do benefício fiscal. Ou seja, tem apenas um efeito de sinalização: realiza-se despesa fiscal com essa medida, porque se deixa de cobrar a receita, mas o seu impacto é muito reduzido. Faz sentido ter este tipo de medidas durante algum tempo, para efeitos de informação pública, mas, mantê-la revela-se inútil a nível ambiental e custoso a nível fiscal.

Assim, o que realmente temos são os impostos com tonalidades verdes. Isto é, impostos que tendo em atenção o ambiente também atendem a outros factores. É o que acontece com o actual imposto sobre os produtos energéticos que, na sua taxa, tem em atenção o impacto ambiental dos produtos dos combustíveis (ou seja, tem em atenção o ambiente), mas também considera outros factores. Isto, normalmente, faz com que o instrumento fiscal deixe de ser eficaz em termos ambientais porque se introduzem duas racionalidades, muitas vezes contraditórias, dentro do mesmo instrumento: a obtenção de receita ou a protecção de determinada indústria ou grupo industrial e a protecção do ambiente. Com a agravante de que, normalmente, o setor ou grupo industrial que se quer proteger é o mais poluente. Por fim, temos também as taxas ambientais que visam, essencialmente, ressarcir a sociedade pelos custos e condicionar comportamentos, mas também conseguir (isto a nível de resíduos é importante) o direccionamento dos fluxos no sentido desejável.

Impostos ambientais - Não há!...talvez haja, sim, um imposto ambiental. O Imposto Automóvel, que com a diferenciação em função das emissões de dióxido de carbono a atingir os 60% do total do imposto poderá estar a influenciar as escolhas dos consumidores. Seria interessante perceber qual a exata influência deste imposto na maior percentagem de veículos 'limpos' a circular em Portugal face aos demais EM.