Friday, November 18, 2011

Despesa Pública, Competitividade e Ambiente: Uma janela de oportunidade

Competitividade e Ambiente convergem e lideram a actual agenda europeia, em especial no domínio energético. A realização dos objectivos comunitários requer uma estratégia política activa de redução dos subsídios ambientalmente perversos. Realidade exemplificada pelos subsídios ao consumo de energia, sob a forma de políticas de controlo de preço, de regimes fiscais mais favoráveis do que os gerais e de falta de internalização das externalidade negativas. Estas formas implícitas de subsidiação devem merecer especial atenção, por tenderem a ser mais perversas ou propícias à perversão, persistentes e preferidas pelos agentes políticos e económicos, especialmente nos países ricos e desenvolvidos, liderando a União Europeia as regiões com maior potencial para as gerar.[2]
Uma reforma das finanças públicas no sentido da eliminação destes subsídios tem potencial para reduzir os níveis de poluição, libertar recursos públicos a aplicar em programas geradores de externalidades positivas, permitir a ultrapassagem de lock-in tecnológicos e aumentar a competitividade da economia europeia, expondo os sectores subsidiados à concorrência, forçando a sua reestruturação, e pressionando no sentido da eficiência (energética), da construção do mercado comum da energia e da garantia da segurança energética, atenuando o favorecimento institucional às fontes de energia tradicional em detrimento das endógenas e renováveis. Esta abordagem pode gerar situações de win-win, com o consequente aumento do PIB e melhoria do bem-estar, em consonância com a Estratégia de Lisboa.
A possível perda de emprego no curto e médio prazo pode ser gerida através de medidas compensatórias, numa estratégia eventualmente menos custosas do que a actual, como demonstram alguns dados relativos à indústria alemã do carvão. Sendo os recursos públicos poupados dirigidos para a atracção de investimento, o resultado líquido observado na economia em termos de emprego dependerá da intensidade relativa no uso do factor trabalho que os sectores afectados apresentam. A progressividade que se observa na despesa em energia das famílias atenua possíveis objecções à reforma com base em argumentos de equidade social. A hipótese de a retirada destes subsídios gerar insegurança energética é questionável quando se percebe que esta não é uma ameaça credível relativamente à fonte energética mais subsidiada, o carvão, contribuindo a subsidiação dos combustíveis fósseis para o atraso no desenvolvimento das fontes renováveis onde a auto-suficiência energética se afirma.
É imprescindível a identificação ex ante dos potenciais obstáculos à reforma e do grau de credibilidade da sua ameaça. Entre os mais frequentes encontramos a acção dos grupos de interesse, dada a assimetria de percepção custos/benefícios, o conhecimento limitado e falta de transparência da informação disponível, a ausência de medidas transitórias de apoio aos grupos mais vulneráveis ou a falta de consensualidade relativamente às mesmas e a confusão entre danos ambientais e impactos sociais.
Quando a remoção dos subsídios tem impactos significativos a vários níveis, é necessário destrinçar entre médio e longo prazo e aferir de alternativas menos custosas. A implementação de um sistema de rondas de negociação, com fixação de prazos para reduções de montantes quantificados, primeiro no âmbito da União Europeia e depois da Organização Mundial de Comércio, poderia facilitar o processo, ultrapassando resistências baseadas no receio de perda decompetitividade nacional.
O potencial de ganho ambiental de uma tal reforma das finanças públicas merece reflexão. Embora se identifiquem como alvos potenciais os subsídios à produção eléctrica baseada em combustíveis fósseis, ao consumo de electricidade, ao transporte aéreo e rodoviário e ao input e output da agricultura intensiva, pode ser útil repensar alguns ‘subsídios ambientais’, contrapondo-se o impacto efectivo ao impacto esperado, atendendo aos efeitos de dissipação ou captura da ajuda, que a impede de atingir o grupo alvo, e aos potenciais efeitos ambientais laterais negativos (ambos presentes, por exemplo, no caso dos biocombustíveis).
Regimes fiscais mais favoráveis para alguns poluidores geram ineficiências no controlo da poluição e contrariam o princípio do poluidor pagador. Mas é discutível se a sua remoção é sempre potenciadora de melhor qualidade ambiental, porquanto não atribui-los pode implicar níveis mais baixos de tributação para generalidade dos poluidores, devido à resistência dos grupos de interesse. A percepção pública de iniquidade na distribuição a longo prazo dos custos ambientais prejudica todavia o apoio político à tributação ambiental. Há que averiguar a medida em que a exposição à concorrência internacional combinada com elevados custos da energia gera relocalização do investimento sem ganhos ambientais. Estes efeitos não se podem generalizar, sendo necessário analisar a exposição à concorrência internacional e estrutura de custos e possibilidade da sua repercussão relativamente aos beneficiários de subsídios, bem como identificar os demais elementos determinantes na decisão de investimento.[3]
A oportunidade para implementar a agenda política aqui proposta está criada pelo crescendo de desafios e exigências ambientais colocados ao decisor político num tempo de contracção orçamental. Neste momento, perspectivam-se algumas janelas de oportunidade concretas tanto a nível nacional como a nível comunitário para avançar com este tipo de reforma, nomeadamente a revisão da Directiva que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da electricidade. Mas para o sucesso desta iniciativa importa assegurar uma clara e forte liderança política e definir estratégias de comunicação e de gestão dos custos de transição. Importa cima de tudo analisar as opções legislativas concretas que estão disponíveis para os Estados Membros, e o que a nós particularmente nos interessa, para Portugal.
Claudia Dias Soares[1]
[1] Professora Auxiliar da Universidade Católica Portuguesa.
[2] Num estudo referido a 1999, entre cinquenta e seis países, Portugal ficou colocado em vigésimo quinto lugar relativamente ao potencial para gerar subsídios perversos, estando a Austrália em primeiro lugar e o Equador em último. A região do mundo mais propícia a este tipo de subsídios foi a UE e a menos propícia foi a Ásia e a América Latina. BEERS e MOOR, Public Subsidies and Policy Failures, Cheltenham, 2001: 78-9.
[3] Consultem-se as conclusões do Grupo de Trabalho sobre ‘Subsídios Ambientalmente Perversos’ (Ad Hoc 8), nomeado pela Comissão Europeia para dar apoio técnico ao Grupo de Alto Nível sobre Competitividade, Energia e Ambiente, disponíveis no site http://ec.europa.eu/enterprise/environment/hlg/whois.htm.

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