Sunday, October 9, 2011

A inevitabilidade da tributação ambiental em Portugal

SUMÁRIO:
1. A renovada dimensão do papel do Estado na economia. 2 O sistema fiscal e a sua possível utilização no tratamento das questões ambientais. 3. O fenómeno do deslocamento da carga fiscal (tax shift). 4. A inevitabilidade da tributação ambiental e o caso português. Um exemplo: a consignação do adicional ao Imposto sobre Produtos Petrolíferos ao Fundo Florestal Permanente

1. A renovada dimensão do papel do Estado na economia

Após se ter relegado o mercado para o papel secundário de fornecer ao Estado os recursos necessários para uma intervenção intensa no sentido da reconstrução das economias nacionais dizimadas pela guerra, assumindo a maior parte dos governos da Europa Ocidental como políticas prioritárias a redistribuição do rendimento e a gestão macroeconómica, sendo o reconhecimento de qualquer evidência de falha do mercado justificativa de tal intervenção; após o início da quebra do consenso sobre os papeis relativos do Estado e do mercado na gestão da economia, nos anos setenta, com as crescentes taxas de inflação e desemprego a colocarem em causa o modelo keynesiano e, cada vez mais, a dimensão da despesa pública e o Estado de Bem-estar centralizado a serem considerados mais como parte do problema do que da solução; chega-se, nos anos noventa do século passado, a um período de intensas reformas regulativas.

Estas reformas caracterizam-se por movimentos de desregulação (v.g., privatizações) seguidos de novas formas de regulação, menos rígidas e menos restritivas. A ideia não é desregular mas atingir os objectivos definidos através de intervenções menos ‘pesadas’, sendo exemplo deste movimento a substituição que se tem observado, em sede de política ambiental, de limites quantitativos administrativamente fixados por instrumentos de natureza económica. O Estado pretende agora ultrapassar as dificuldades da crescente complexidade tecnológica do real(1) e da necessidade de modificar as expectativas e comportamentos individuais já não apenas através do poder coercivo mas, e principalmente, através da credibilização dos intervenientes e processos políticos.

Percebe-se neste novo movimento (de re-regulação) uma crescente intervenção pública, se bem que através de meios mais soft do que os tradicionais(2). Simultaneamente, verifica-se um esforço no sentido de reduzir a despesa pública. A estratégia de ‘atirar dinheiro para os problemas’, típica dos anos sessenta, já não é uma alternativa possível nem credível. A via da regulação torna se atractiva na medida em que transfere os custos para os agentes privados(3).

Desde o início dos anos noventa nos países nórdicos, desde meados dos anos noventa no centro da Europa e desde os finais dos anos noventa em Portugal, observa-se, assim, um conjunto de variáveis cuja coincidência no tempo e no espaço contribuem para uma reconfiguração do sistema fiscal. Na União Europeia (UE) a discussão do Pacto de Estabilidade está na ordem do dia e com este condicionamento o Estado tem que estar especialmente atento às suas despesas, ao custo a que a realização dos objectivos definidos obriga e à eficiência e complementaridade das políticas públicas. Por outro lado, percebe-se uma cada vez maior preocupação do Estado em buscar formas de envolver activamente a sociedade na satisfação de necessidades colectivas e, em especial, nota-se um empenho dos governos em chamar os agentes económicos a assumir as suas responsabilidades sociais, nomeadamente no domínio da protecção ambiental (4).

Este movimento de regeneração que se sente nos países da OCDE a partir dos anos oitenta tem causas várias, entre as quais se encontram, v.g., as restrições a que estão sujeitas as finanças públicas, o desencanto com as políticas industriais do passado que entravaram o ajustamento industrial, as rápidas transformações tecnológicas que aceleram a evolução para uma economia de serviços onde o conhecimento desempenha um papel fundamental, a globalização que cria actividades transnacionais e transectoriais, tornando difícil a introdução de políticas intervencionistas direccionadas, e a grande complexidade e contraposição de interesses públicos e privados que clama a crescente substituição dos actos administrativos, forjados no modelo unilateral e autoritário de Administração, por instrumentos consensuais na definição do direito aplicável em concreto às relações jurídico-admimstrativas (5).

Os valores que orientaram durante mais de quarenta anos as finanças públicas estão em crise. A expansão da despesa pública, com o consequente aumento da onerosidade das políticas de financiamento e a crise do modelo de produção fundada nas grandes empresas, com um rígido controlo do mercado de trabalho pelas organizações sindicais, na transferência de recursos públicos a favor das empresas e do rendimento do trabalho, numa óptica de troca política, obrigam a repensar a intervenção do Estado na economia através do uso dos instrumentos tradicionais de finanças públicas(6). A rigidez destes mina a eficácia da política definida.

Deparamo-nos, hoje, com um sistema tributário condicionado e orientado por questões de natureza ideológica e baseado em esquemas rígidos que provocam uma disparidade entre os efeitos distributivos e económicos desejados e aqueles que efectivamente se verificam (7). A introdução crescente de novos objectivos económico-sociais na política fiscal, os quais são por vezes conflituantes, amplia a distância entre a realidade distributiva perseguida aquando da concepção do sistema e a que efectivamente este realiza (8). A complexidade que é, assim, injectada no mesmo é paga, por um lado, com perda de eficácia, pelos elevados custos de administração e pelo incrementado nível de fraude e de evasão fiscal que daí advém, e, por outro, com perda de eficiência, devido à pressão fiscal acrescida que então se exerce sobre a actividade económica.

Em muitos países da OCDE, cerca de metade de todo o capital gerado é filtrado pelo sistema fiscal (9). A consciência dos relevantes efeitos que o sistema fiscal tem sobre a eficiência, o crescimento, a poupança, o investimento e o emprego é cada vez maior e, com a crescente liberalização do comércio e a consequente redução das fontes tradicionais de receita, os Estados sentem necessidade de reestruturar os seus meios de financiamento (10). Perante os movimentos que questionam a legitimidade dos sistemas fiscais, quer pelas revoltas fiscais populares quer pelos representantes da extrema direita que anseiam ver o Estado diluir-se, torna-se necessário instituir um sistema de tributação justo (11). O considerável aumento da mobilidade dos recursos (já não só do capital, mas também do trabalho) e a diversificação das formas de riqueza tornam o actual sistema tributário incapaz de promover eficazmente a liberdade e igualdade dos cidadãos e a responsabilidade do indivíduo (12).

Um sistema assente, predominantemente, sobre a tributação do rendimento e o IVA só consegue gravar a economia emersa, e já não a submersa (13). O enorme elenco de benefícios fiscais e de regimes especiais mais favoráveis do que o geral provoca uma erosão da base de tributação, que se tenta compensar com um reforço da carga fiscal a suportar pelos que efectivamente pagam impostos(14). O que é insuportável quer em termos de eficiência quer de equidade. A elevação das taxas marginais em vez de contribuir para a resolução do problema causa o seu agravamento. Pois, os titulares de maiores rendimentos, sujeitos a taxas elevadíssimas, vão optar pela fraude fiscal, deixando o grosso do encargo de contribuir para as despesas públicas sobre a classe média, que não tem opção. Isto vai não só provocar uma redistribuição regressiva do ónus fiscal, com o afronto da justiça, como também uma distorção suplementar da economia, com o inerente desperdício de recursos.

Sem abandonar uma política social redistributiva há que buscar novas formas de actuação pública mais compatíveis com o carácter cada vez mais articulado e complexo da sociedade (15). Não basta proceder a alterações pontuais, é necessária uma reforma estrutural do sistema tributário. A reformulação das finanças públicas que se opere nos próximos anos será determinante para a evolução do sistema social se vir a fazer num sentido democrático ou, ao invés, numa via autoritária (16). Há que tornar o sistema fiscal mais simples, transparente, aceitável e eficaz, buscando novas fontes de receita, reconexionando a sua obtenção com o seu uso e promovendo o emprego e a defesa do ambiente. Isto implica “filtrar o direito fiscal para encontrar a zona em que as normas fiscais se encontram com as ambientais” (17).

Na política industrial nota-se uma tendência dos Estados para substituir o financiamento directo das empresas pela adopção de medidas destinadas a criar um ambiente favorável ao investimento e a estimular a concorrência e a inovação. Os acordos de partenariado têm sido instrumentos privilegiados pelos governos para o estabelecimento de uma cooperação menos formal entre o Estado e a indústria, visando a resolução em conjunto dos problemas colocados pela mudança tecnológica e a globalização. Uma abordagem que se caracteriza por uma feição menos intervencionista do que a tradicional e com custos inferiores aos que são comuns à que se funda na atribuição de auxílios públicos(18).

No domínio do ambiente, a nova forma de interacção entre o estado e a economia pode se observar em vários aspectos. A abordagem coerciva é substituída por outras formas de regulação que se caracterizam por chamar os agentes económicos a assumir um papel activo na definição e prossecução dos objectivos públicos, com esforços no sentido de aumentar a transparência, a participação pública e a delegação de competências. Os instrumentos de natureza administrativa tradicionais cedem a intervenções sob a forma de ‘administração concertada’ e os instrumentos económicos, nomeadamente os tributários, assumem uma importância crescente. A despesa pública, por sua vez, ganha também uma nova feição.

Surgem, então, instrumentos consensuais que podem assumir diversas configurações e designações e que são genericamente denominados “acordos ambientais”. Os acordos ambientais entre a Administração e a indústria constituem uma forma de incentivar a indústria a assumir (voluntariamente) as suas responsabilidades na protecção ambiental e a envolver-se activamente nessa tarefa desde a fase inicial da construção das políticas neste domínio, fazendo propostas e delineando estratégias assentes num consenso interno, conseguindo-se, desta forma, reduzir a burocracia e aumentar a flexibilidade na selecção dos meios de actuação (19). Com o inevitável ganho de eficácia, de tempo e de custos (20).

Assim, a uma estratégia de subsidiação directa e pontual dos agentes económicos que adoptem condutas sustentáveis tem vindo a suceder uma intervenção contratual do Estado na economia. As novas figuras caracterizam-se por serem acordos ou contratos em que a assumpção de obrigações pela indústria para com o Estado no sentido de serem implementados modos mais sustentáveis de actividade é enquadrada pela existência de meios de financiamento que apoiam as acções prosseguidas no âmbito dos acordos realizados. Um nexo sinalagmático que contribui para reforço do incentivo ao cumprimento da legislação ambiental.

2. O sistema fiscal e a sua possível utilização no tratamento das questões ambientais

As finanças públicas, como meio de intervenção do Estado na economia quer por via da receita quer por via da despesa, têm um papel importante a desempenhar na promoção do desenvolvimento sustentável e isso mesmo lhes é reconhecido pela constituição da República Portuguesa. A constituição portuguesa (art. 66.°) determina que para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos, inter alia, promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial (art. 66.°/alínea f), tal como acontece a nível comunitário (21), e assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida (art. 66.°/alínea h). A nível nacional, a Constituição obriga que se garanta a qualidade ambiental sem se prejudicar um equilibrado desenvolvimento sócio-económico (artigo 66.°, n.° 2, alíneas a) e b) da CRP). E entre os princípios constitucionais fundamentais, aparece o dever de “defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento territorial”, o qual é atribuído ao Estado, na qualidade de uma das suas tarefas básicas (artigo 9.°, alínea e) da CRP) (22). Mas também a nível comunitário não se admite que as liberdades económicas mantenham um estatuto de incondicionalidade, afirmando-se, mesmo, que a realização do mercado comum não é um fim em si, mas um meio para se atingir o desenvolvimento sustentável.

Oferecem-se dois critérios orientadores da intervenção pública no domínio do ambiente. Por um lado, o desenvolvimento sustentável exige que se busque o equilíbrio entre o óptimo económico (que ocorre quando o custo marginal do controlo da poluição (23) iguala o benefício marginal que se retira do mesmo (24)) e o óptimo ambiental (que corresponde à eliminação na íntegra das emissões poluentes). Por outro, impõe-se que o equilíbrio ecológico funcione como o limiar inultrapassável, sob pena de corrupção dos sistemas de suporte, quer do económico quer do social, isto é, sob pena de insustentabilidade. Dito de outro modo, o crescimento económico não pode ser obtido à custa da diminuição do bem-estar, o qual é medido pela potencialidade de consumo por habitante. Valor que está ligado à capacidade de produção no futuro (25) e, consequentemente, à dimensão do capital total (isto é, a soma dos recursos criados pelo Homem com os recursos ambientais), não podendo, por isso, admitir-se uma redução deste (26). É esta compatibilização que representa hoje um desafio às finanças públicas no seu papel de instrumento de promoção do desenvolvimento sustentável. E tanto pela via da receita como pela via da despesa, são múltiplas as potencialidades que é possível vislumbrar no âmbito das finanças públicas para promover a qualidade ambiental.

O aproveitamento do sistema fiscal para proteger o ambiente é susceptível de assumir diversas formas, as quais se podem agrupar, no essencial, em quatro vias: a adopção de impostos ambientais, a introdução de elementos ecológicos na estrutura dos tributos existentes (27) (“agravamentos ecológicos de impostos” (28)), a criação de benefícios fiscais destinados à promoção do desenvolvimento sustentável e uma reestruturação de todo o sistema fiscal orientada pela missão ecológica (29). Podem, então, adoptar se basicamente duas perspectivas no tratamento da tributação ambiental: a resposta problema-a-problema ou a reestruturação compreensiva do sistema fiscal. A opção coloca-se também entre a adaptação do sistema fiscal existente, conceito introduzido por Jacques Delors sob a denominação “tax shift”, em 1993, com “Growth, Competitiveness, Employment: the challenges and way forward into the 21th century” (30), e a criação de novas figuras fiscais (31). Opção essa que implica uma troca entre a eficiência e a eficácia e que depende das condições sócio-económicas subjacentes, do sistema fiscal existente, das espécies de degradação ambiental em causa e da estrutura reguladora em que os instrumentos fiscais de protecção ambiental devem funcionar.

A figura do imposto ambiental pode ser entendida em várias acepções, não existindo uma definição de “imposto ambiental” que seja unanimemente aceite (32). Pelo que é necessário precisar de que se fala quando se usa tal expressão. Vejamos. Alguns instrumentos fiscais assumem como objectivo primordial o condicionamento do processo de tomada de decisão do sujeito passivo (Lenkungssteuern). É esse o caso dos impostos cobrados em função do volume de água poluída que as empresas lançam no sistema de esgotos. Enquanto outras figuras financeiras parecem orientar-se, primordialmente, por um objectivo de recolha de receitas (Umweltfinanzierungsabgaben), quer devido ao facto de, por falta de alternativas, o espaço disponível para a mudança de comportamento por parte dos sujeitos passivos ser extremamente reduzido (como acontece, v.g., no caso da tributação dos combustíveis utilizados pelos meios de transporte), quer por força de uma opção realizada por governantes carenciados de receita pública.

O imposto ambiental enquanto instrumento de política ambiental é aquele gravame que se aplica a bens que provocam poluição quando são produzidos, consumidos ou eliminados ou a actividades que geram um impacte ambiental negativo, visando modificar o preço relativo daqueles ou os custos associados a estas e/ou obter receita para financiar programas de protecção ou de recuperação do equilíbrio ecológico. A finalidade que orienta o tributo é, pois, determinante para a sua classificação, sendo esta, e não o seu facto gerador, que permite qualificá-lo como ambiental (33). Pelo que se distingue entre tributos criados com a finalidade de proteger o ambiente, abstraindo-se do momento em que as motivações ecológicas surgiram (34), e tributos dos quais tal protecção deriva como um efeito lateral, bem como entre impostos cuja primeira finalidade é a defesa do equilíbrio ecológico e impostos cuja base de incidência se traduz numa realidade poluente (35). Esta dicotomia é adoptada pela OCDE, que denomina os primeiros de “impostos ambientais directos” e os segundos de “impostos ambientais indirectos” (36). Pode, assim, classificar-se como tributo ecológico um imposto cujo facto gerador não expresse directamente um acto de degradação ambiental (v.g., aquele que grave a aquisição de gasolina ou de sacos de plástico) (37). Tal como se pode negar o epíteto de ecológico a um imposto que, embora incidindo sobre realidades geradoras de dano ambiental, vise objectivos ambientais.

Chamemos, assim, impostos ambientais em sentido próprio àqueles que visam directamente promover uma alteração de comportamentos (38) e impostos ambientais em sentido impróprio àqueles que têm como objectivo fundamental a obtenção de receitas a aplicar em projectos de defesa ecológica (39). Ainda que, nos primeiros, por motivos de índole económica e de equidade, esse estímulo à mudança tenda a ser efectivado através da internalização dos mencionados custos, a virtude reside não na capacidade de medir os custos da poluição, mas na capacidade de fornecer um incentivo à mudança dos comportamentos no sentido socialmente desejável, sem congelar o avanço tecnológico nem eliminar um certo grau de liberdade individual (40). Os demais serão “em sentido impróprio” porque se o objectivo é a captação de meios a utilizar na realização da política ecológica, eles serão, em princípio, tão “ambientais” quanto qualquer outro tributo que permita recolher meios financeiros para a prossecução do fim em causa (41). Só se distinguindo o seu contributo para o equilíbrio ecológico do dos impostos fiscais em geral quando, sem deixarem de apresentar como primeira finalidade a captação de receitas, e não o estímulo à adopção de condutas mais sustentáveis, tenham por objecto situações ou actividades que causem dano ao ambiente, internalizando as externalidades. Esta espécie de tributos relega, assim, para segundo plano aquela que deve ser a principal via de tratamento do problema ecológico: a prevenção (42).

A definição utilizada pelo EUROSTAT é, no entanto, fundada na base de tributação, e não na finalidade do gravame (43). Segundo o referido organismo comunitário, entende-se por eco-imposto aquele cuja “base tributável é uma unidade física (ou algo que seja um sucedâneo dela) de um determinado elemento que se provou ser especialmente danoso para o ambiente quando usado ou libertado”. A mesma definição é utilizada pela Comissão Europeia (44). Deste modo está-se, todavia, a comprometer a classificação da figura em causa como instrumento de defesa do ambiente, devido à semente de potencial ineficácia que uma definição fundada em tal critério deposita no seu seio, por ser perturba a ideia de prevenção que deve presidir à abordagem ambiental, ou, in extremis, está se a esvaziar essa classificação, na medida em que, então, todos os impostos seriam ambientais, já que viver é poluir (45).

Dos impostos ambientais em sentido impróprio ou de primeira geração, nos anos sessenta e setenta, e dos impostos ambien-tais em sentido próprio ou de segunda geração, nos anos oitenta e noventa, o fulcro da questão ambiental passou, no final dos anos noventa, para as reformas fiscais ecológicas (46). Esta última via, que parece ser a mais deseja pela União Europeia (47), envolve a substituição dos tributos existentes por impostos ambientais, tanto em sentido próprio como em sentido impróprio. Uma opção que é, todavia, marcada pela ameaça de regressividade (48). Uma vez que os tributos ecológicos assumem, predominantemente, a feição de impostos indirectos. O recurso a sistemas de benefícios fiscais e de subsídios que atenuem ou compensem tal regressividade, aparentemente uma solução para o problema, não pode, no entanto, ser considerada uma opção ideal, pela ineficiência que lhes está associada (49). Assim, a introdução de preocupações ecológicas no sistema fiscal existente, ainda que a par da adopção de tributos ambientais específicos, pode ser a melhor via de promoção da sustentabilidade. A escolha não será a revolução mas a reforma, isto é, um “processo constante de evolução, em que, ao longo do tempo, se vão introduzindo aperfeiçoamentos e adequações no esquema dos impostos” (50). Ainda que tal culmine, de tempos a tempos, num “esforço consciente no sentido de operar uma remodelação global do sistema, concebido como um todo dotado de coerência e ajustado a certos critérios orientadores” (51).

Um tratamento sistémico do problema tem ainda a vantagem de, por um lado, impedir que os poluidores reduzam a sua base tributável, sem que, simultaneamente, reduzam a poluição emitida e, por outro, de favorecer o aparecimento de sinergias. Mas implica um conhecimento minucioso, por parte dos agentes políticos, do processo produtivo global, do impacto ambiental das alternativas e das falhas do mercado que podem prejudicar a eficácia dos impostos ecológicos. Esta via tem vindo a ganhar um apoio crescente nos países da OCDE (52), sendo a Dinamarca, a Holanda e a Suécia exemplos disso (53). As instituições comunitárias têm sido das principais defensoras da reestruturação do sistema fiscal no referido sentido, isto é, de um deslocamento da tributação das actividades criadoras de valor (value added activities) para as actividades destruidoras de valor (value depleting activities) (54).

Note-se, todavia, que uma reforma fiscal ambiental deve ser implementada numa perspectiva de longo prazo (55). Uma vez que é aí que os efeitos de substituição mais se fazem sentir, pois a adaptação das estruturas produtivas, dos padrões de comportamento e a evolução tecnológica requerem tempo. E, por outro lado, a constante adopção de novos impostos ecológicos ou de substituição dos existentes pode ter como inconvenientes o risco de a tarefa se mostrar sempre como nem meia feita nem meia por fazer, retirando-lhe mérito aos olhos do público político e granjeando-lhe a oposição deste, de os custos administrativos serem crescentes e de surgirem problemas técnicos na gestão coerente de todo o sistema (56).

3. O fenómeno do deslocamento da carga fiscal (tax shift)

Em 1966, TEIXEIRA RIBEIRO, a propósito da determinação de qual deveria ser a matéria colectável dos impostos fiscais segundo o artigo 28.° da constituição de 1933, fez uma afirmação que não pode deixar de ser aqui recordada, pela relevância que tem para o aspecto que se está a analisar — “cada cidadão impõe um encargo ao resto da colectividade, não na medida do que pode gastar, mas na medida do que efectivamente gasta. E não será mais justo tributá-lo pelo encargo que lança sobre os outros do que pelo benefício que lhes traz?” (57). Também na perspectiva da defesa ambiental, seria desejável que se penalizasse o consumo e recompensasse a poupança, ao contrário do que fazem hoje os sistemas fiscais da maior parte dos países (58). Desta forma, conseguir-se-ia inverter o sentido de destruição que tem sido atribuído ao sistema fiscal (59), direccionando-o para dimensões mais criativas. Isto é, há que transmutar a destruição criativa shumpeteriana numa inovação criativa.

Duas grandes ideias presidem hoje à necessidade de reforma dos sistemas fiscais. Por um lado, há que reduzir a tributação sobre o trabalho, compensando-se a perda de receitas que daí advém com diferentes intervenções tributárias. Por outro, há que colocar as finanças públicas ao serviço da realização do direito fundamental a um ambiente equilibrado, através da figura do tributo mas sem que tal represente uma elevação da carga fiscal total (neutralidade fiscal). Sem esta manobra de reequilíbrio dos ónus fiscais que incidem sobre os factores produtivos não é possível defender, com seriedade, a adopção de tributos ambientais, pelos enormes custos económicos que daí adviriam. Está-se, pois, perante duas ideias mutuamente complementares: há que transferir parte da carga fiscal que incide sobre o trabalho, e que é hoje considerada como excessiva, para os comportamentos insustentáveis (61). Porquanto, verifica-se uma subutilização, quantitativa e qualitativa, da mão de-obra e uma sobreutilização dos recursos ambientais (62). A expressão tax shift é utilizada para expressar esta mudança.

Os impostos ambientais em geral têm-se mantido relativamente estáveis, representando cerca de 7 a 9 por cento da receita fiscal total nos países europeus (63). Os custos derivados da poluição e do desemprego representam, no entanto, entre 15 e 20 por cento do PIB europeu (64). A Comissão Europeia estimou que, em média, a tributação do trabalho (constituída pelas contribuições para a segurança social e o imposto sobre o rendimento) representava, em 1970, entre 9 e 17 por cento do PIB dos países comunitários, passando, em 1990, a situar-se entre os 11 e os 25 por cento; enquanto a carga fiscal que gravava os recursos naturais ou os bens e serviços com um impacto ambiental ou social negativo (incluindo aqui os impostos sobre a energia, os transportes (65), os combustíveis, o álcool, o tabaco, a contaminação e os bens imóveis) que, em 1970, representava entre 3 e 12 por cento do referido valor desceu, em 1990, para os 2 a 7 por cento (66). Concretamente em relação ao sector energético, estima-se que, no conjunto da União Europeia, os impostos sobre a energia se elevaram apenas de 2,6 por cento do PIB, em 1980, para 2,9 por cento deste valor em 1994(67). O que se fica a dever à excessiva concorrência fiscal entre os diversos Estados-membros (68). Calcula-se, assim, que, hoje, só cerca de 10 por cento da carga fiscal incide sobre o uso de recursos naturais, enquanto aproximadamente 50 por cento da mesma recai, directa (imposto sobre o rendimento) ou indirectamente (contribuições para a segurança social e IVA), sobre o trabalho (69). A União Europeia é, mesmo, o espaço económico onde é mais pesada a carga fiscal que grava a mão-de-obra, tendo sofrido um forte incremento nas três últimas décadas, situando-se esta em 1960 aproximadamente em 28 por cento, em 1990 em cerca de 45 por cento e atingindo em 1997 quase os 50 por cento (70); enquanto nos EUA e no Japão se tem mantido estável, não ultrapassando, nesta última data, os 35 por cento (71). O que é ainda mais preocupante quando se sabe que os custos marginais da tributação aumentam mais do que proporcionalmente ao nível da carga fiscal (72).

A reforma fiscal ecológica é vista, por alguns, como representando um sinal de esperança de desenvolvimento da economia europeia num sentido inovador, mais centrado na produtividade dos recursos e na inovação (73). O Livro Branco sobre Crescimento, Competitividade e Emprego propôs a redução da carga fiscal sobre o trabalho no valor de 2 por cento (74). A perda de receitas que esta medida envolve terá que ser compensada. A necessidade de reduzir os impostos sobre o rendimento, pela injustiça e influência distorçora sobre a economia que lhes estão associadas, sem que tal significasse uma perda de receitas foi, v.g, determinante para a introdução de vários tributos ecológicos no sistema fiscal sueco aquando da sua reforma em 1991 (75). A orientação ambiental do sistema tributário constitui hoje talvez a mais atractiva opção económica e política para a obtenção de ingressos públicos (76).

A nível político a atracção desta via manifesta-se nos menores custos eleitorais que, numa sociedade cada vez mais ecologista, estão associados a uma cobrança fiscal ambientalmente motivada por comparação com a tradicional. Mas a nível económico é também possível vislumbrar ganhos potenciais na transferência da carga fiscal do trabalho e do capital para a degradação ecológica. Os impostos ambientais podem reduzir o encargo associado à obtenção de receitas públicas, por não introduzirem novos factores de distorção mas, antes, corrigirem alguns dos já existentes elementos responsáveis pela deturpação do funcionamento da economia que dão causa a uma ineficiente afectação dos recursos, quer promovendo a redução das externalidades ambientais quer permitindo, através da sua receita, que se reduzam ou eliminem tributos fiscais aos quais está associado tal efeito de distorção, como sejam, por exemplo, os impostos sobre o trabalho (77).

A crença no facto de que, além de gerarem benefícios ambientais (dividendo ambiental), os tributos ecológicos são capazes de remover outras ineficiências introduzidas na economia pelo sistema fiscal em vigor, permitindo que o financiamento público se realize a um custo menor do que aquele que tem hoje, levou alguns a falar de um “duplo dividendo” (78) associado a estes instrumentos. Expressão com a qual se visa salientar a possibilidade de se gerar um benefício para a economia através da aplicação das receitas obtidas com a cobrança dos impostos ambientais na redução de tributos preexistentes que sejam responsáveis pela distorção do funcionamento da economia. Ou seja, coloca-se a hipótese (ainda não provada (79)) de a devolução à economia da receita obtida com a cobrança do imposto ecológico melhorar a distribuição dos recursos (dividendo distribucional), reduzir o desemprego involuntário (dividendo de emprego) e aumentar a eficiência económica (dividendo de eficiência). O que se apresenta como uma alternativa ao uso da receita em causa na realização de prestações sociais aos titulares de menores rendimentos, ou seja, no aumento da despesa pública (80).

A adopção de uma política ambiental pode mostrar-se um desbaratamento inútil de recursos quando, como acontece em todos os países industrializados, ainda que mais nuns do que noutros, o Estado, ao mesmo tempo que investe na luta contra a poluição, promove as fontes que a geram (81). Um sistema fiscal principalmente dirigido à poupança e ao investimento tende a ser prejudicial à defesa do ambiente. Se a poupança, já penalizada pela inflação, é mais tributada do que a despesa, gera-se um incentivo ao consumo. Pois, abdicar de consumir hoje pode, então, significar não consumir, em vez de representar a possibilidade de um consumo futuro. E se é verdade que a poupança e o investimento não garantem, de per se, a protecção do ambiente (82), não se pode deixar de admitir que a cultura do consumo desenfreado é a principal inimiga da preservação do equilíbrio ecológico (83), não sendo, por isso, aconselhável a manutenção de um sistema fiscal que a alimente, discriminando a favor da despesa.

4. A inevitabilidade da tributação ambiental e o caso português

Já em 1993 a OCDE se mostrava preocupada com a discrepância entre os sinais fornecidos pelo sistema fiscal português e a necessidade de proteger o ambiente (84). O sistema fiscal tem estado ao serviço do crescimento económico no seu sentido tradicional, incentivando a remodelação do aparelho produtivo através do IVA (85), o relançamento do investimento através de um regime fiscal favorável, a melhoria das condições de remuneração de capitais móveis e a promoção de concentrações através de um regime fiscal das fusões e grupos de empresas (86). Mas, segundo os dados da OCDE, Portugal é tradicionalmente um dos países que apresenta uma significativa componente de receitas fiscais geradas por impostos ligados ao ambiente (87).

A explicação para este facto não se encontra, todavia, na prematura atenção dada pelo legislador fiscal português às potencialidades da tributação ambiental (88). Antes se explica pela classificação abrangente que a OCDE utiliza, ao entender por “receitas fiscais geradas por impostos ligados ao ambiente” todas as receitas cobradas através de um imposto cuja base tributável tenha um efeito negativo sobre o ambiente, independentemente das motivações subjacentes ao tributo e dos efeitos gerados pela sua cobrança. Serão, pois, “impostos ambientalmente relacionados” o Imposto Automóvel, os Impostos de Circulação e de Camionagem, o Imposto Municipal sobre Veículos e o Imposto sobre Produtos Petrolíferos. Assim, a referida característica do sistema fiscal português é um efeito lateral da sua elevada dependência da tributação indirecta.

A reforma fiscal dos anos oitenta foi em grande parte justificada pela necessidade de cumprir as exigências e desafios resultantes da adesão à CEE. As preocupações económicas estavam no primeiro plano da agenda política e a consciência ambiental da população era pouco significativa. O reduzido desenvolvimento industrial, a necessidade de atrair investimento estrangeiro (seguindo-se tradicionalmente uma estratégia de baixo custo da mão-de-obra) e a elevada ineficiência da administração fiscal contribuíram activamente para a forte componente de tributação indirecta no sistema fiscal português.

A tributação ambiental como um projecto político só foi mencionada claramente pela primeira vez no âmbito da reforma fiscal que se iniciou em 2000(89). E é este aspecto de “efeito lateral” que explica a falta de eficácia da tributação ambiental no nosso país (90). Uma vez que a preocupação em recaudar receitas se sobrepõe à defesa do ambiente e tratando-se estas frequentemente de lógicas antagónicas a realização de uma anula o cumprimento da outra. Veja-se o caso do Imposto Automóvel, onde a lógica fiscal tem impedido a reforma de um imposto que discrimina contra a substituição de um parque automóvel velho e poluente por veículos com uma tecnologia mais limpa.

O principal poder de decisão sobre a instrumentalização do sistema fiscal à defesa do ambiente pertence de facto ao Ministério das Finanças. E parece que se deve à sua nova estratégia a maior argumentação ecológica que, desde meados dos anos noventa, é possível encontrar associada à tributação em Portugal. O Ministério das Finanças parece ter visto nos impostos ambientais um potencial bom instrumento de política financeira. Desde o final dos anos noventa é possível detectar o uso de uma argumentação ambiental para justifícar o aumento ou a introdução de impostos indirectos gravados sobre bens com um impacto ecológico negativo (91) ou a eliminação de benefícios fiscais que favorecem o desenvolvimento insustentável (92). Esta nova abordagem pode ser explicada através de uma multiplicidade de factores.

A estrutura fiscal e a administração tributária existentes no nosso país condicionam a capacidade de manobra do legislador. Entre os condicionamentos de sentido positivo, refira-se a oportunidade de reforma que se observa em alguns impostos com uma importante relevância ambiental. Toda a intervenção no sistema está, no entanto, restringida pela necessidade de não prejudicar a competitividade da economia nacional. Por outro lado, a praticabilidade de uma mudança está dependente das alianças realizadas com os demais stakeholders. A tributação ambiental é especialmente favorável ao surgimento destas alianças. O Ministério das Finanças e o Ministério do Ambiente podem ver nessa união uma nova força para enfrentar o lobby industrial. Um outro factor que tem contribuído directamente para a nova abordagem é a tomada de consciência de que, numa sociedade com crescentes preocupações ecológicas, os custos políticos e de transacção associados a uma intervenção fiscal motivada por razões ambientais são menores do que aqueles que envolvem a tributação nos moldes tradicionais.

Apreciemos, em primeiro lugar, os condicionamentos que a estrutura fiscal e a administração fiscal existentes no nosso país colocam à capacidade de manobra do legislador fiscal. Citando dados de 1998, pode-se dizer que, quando comparada com a média comunitária (31 por cento), a estrutura fiscal portuguesa tinha uma maior componente de tributação indirecta (41,6 por cento) (93). A carga fiscal sobre o trabalho, por sua vez, era menos representativa em Portugal (42,9 por cento) do que em média nos demais países comunitários (51,9 por cento) (94).

Por um lado, os motivos que justificaram este tradicional forte apoio na tributação indirecta, que já foram apontados, mantêm-se hoje. Somando-se-lhes actualmente uma preocupante generalizada percepção do sistema fiscal como injusto, que promove a fraude e a resistência a qualquer aumento da carga fiscal sobre o trabalho. Não se pode, ainda, esquecer que, mesmo sem um aumento do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, no longo prazo, o envelhecimento da população vai pressionar o aumento da carga fiscal sobre o trabalho caso não ocorra uma reforma do sistema de segurança social. Uma vez que esse envelhecimento vai envolver um incremento da despesa pública em pensões e em saúde e, sem uma inversão da tendência observada na despesa pública, tal vai acarretar a necessidade de obter mais receita (95). Ora, ceteris paribus, esse encargo fiscal tenderá a incidir principalmente sobre o trabalho. Porquanto, as pensões são financiadas predominantemente através de contribuições sobre os salários e o capital é cada vez mais uma base tributária móvel (96). Face à realidade nacional, a estratégia de concorrência fiscal seguida pelos demais países comunitários e aos desafios do mercado comum e do seu alargamento a Leste, é, pois, impensável deslocar parte da actual carga fiscal indirecta para os rendimentos do trabalho e do capital. O fulcro da fiscalidade portuguesa vai ter que continuar a ser a tributação do consumo.

O cenário actual sugere uma pressão no sentido do aumento da carga fiscal. Uma vez que a redução dos rácios de tributação que são hoje apresentados pelos países da OCDE reflectem em grande parte as tendências de contracção da despesa pública (97), que Portugal ainda não conseguiu adoptar. O esforço de consolidação fiscal realizado durante os anos noventa não teve grande sucesso na redução dos níveis de despesa (98), com o consequente reflexo sobre o rácio tributação/PIB. Por outro lado, os reduzidos níveis de rendimento e a baixa qualidade das prestações sociais existentes em Portugal geram a necessidade de melhorar os sistemas de segurança social e de aumentar as coberturas sociais. Um outro aspecto a ter em atenção é o facto de existir uma pressão para atenuar a carga fiscal sobre o trabalho, de modo a aumentar a receita tributária através da redução da fraude e a permitir uma melhoria dos níveis de rendimento. Ainda que na segunda metade dos anos noventa se tenha notado uma melhoria na eficiência da Administração fiscal, expressa no aumento das receitas cobradas (99), os níveis de fraude observados são ainda inaceitáveis (100).

Por outro lado, observam-se oportunidades de reforma em impostos com relevância ambiental. Referimo-nos ao Imposto Automóvel e ao Imposto sobre Produtos Petrolíferos, onde a falta de lógica económica e ambiental vem sendo apontada há já algum tempo, observando-se pressões por parte dos agentes económicos nacionais (principalmente no caso do IA) e das instituições comunitárias (em especial no que se refere ao ISP) para que se proceda à sua alteração. Estes tributos mostram-se particularmente relevantes como instrumentos de política ambiental no caso português. Uma vez que contamos entre os principais problemas ambientais a ineficiência energética da indústria, a forte dependência energética de combustíveis fósseis, o nível de emissões de gases poluentes, bem como os danos advenientes da congestão urbana, que também estão directamente associados ao sector dos transportes (101).

Se no futuro próximo não se pode abdicar de receita, ainda que exista uma pressão para reduzir a carga fiscal sobre o trabalho e o capital, e (consequentemente) a tributação indirecta tem que continuar a ser a principal base de apoio do sistema fiscal português, impostos sobre o consumo (como são em regra os impostos ambientais) que, tendo uma forte capacidade recaudatória (como são o IA e o ISP), não só geram uma menor resistência pública do que os gravames tradicionais, mas também prometem uma redução da despesa pública em política ambiental, não podem deixar de ser apetecidos pelo Ministério das Finanças.

Por outro lado, o crescente apoio dos ambientalistas ao uso de impostos ambientais é também previsível. O lobby ambiental carecido de ganhar poder no âmbito do processo de decisão começa a ver no novo interesse do Ministério das Finanças uma oportunidade única. A esperada redução dos fundos disponibilizados para a prossecução de políticas ambientais, devido à necessidade de contrair a despesa pública e à previsível redução dos dinheiros comunitários após 2006 (lembre-se que estes têm representado uma componente fundamental da receita no orçamento ambiental português), pressiona o Ministério do Ambiente a adoptar estratégias mais eficientes. Nota-se, por exemplo, que desde os finais dos anos noventa a política ambiental tem estado mais aberta ao investimento privado, com a assinatura de acordos sectoriais com a indústria que a envolvem activamente na prossecução dos objectivos fixados (102), seguindo uma abordagem financeira mais sofisticada. A política de concessão de subsídios (quer directos quer por via de benefícios fiscais) é cada vez menos praticável, não só pela falta de recursos como também pelos obstáculos criados pela Comissão Europeia (103). Além de que o uso de impostos ambientais cria uma esperança de obtenção de novas fontes de financiamento através do recurso ao mecanismo da consignação de receitas, à semelhança do que já acontece nos demais países comunitários. Perante a ineficácia dos instrumentos administrativos (lembre-se que, entre 1990 e 1996, Portugal apresentou das piores evoluções observadas nos Estados membros no que respeita à emissão de CO2, NOx e SO2 (104)), o Ministério do Ambiente vê-se também forçado a buscar soluções inovadoras, quer para responder à crescente procura ambiental interna, motivada pelo aumento do nível de rendimento, de informação e de consciência ambiental, quer para cumprir com as exigências que lhe são colocadas a nível comunitário. A União Europeia vem exercendo uma pressão crescente sobre Portugal para o cumprimento de padrões ambientais superiores (105).

Assim sendo, parece inevitável que, à semelhança do que vem acontecendo desde o início dos anos noventa nos demais países comunitários, o sistema fiscal português integre uma componente ambiental cada vez mais significativa, embora existam fortes barreiras internas a tal avanço (106). Prevê-se que a tendência para um maior peso da tributação indirecta face à directa no cômputo total do sistema se mantenha, mas a motivação ecológica seja mais frequentemente utilizada. E, pela necessidade de se evitar o problema da falta de legitimidade e de se responder à crescente procura ambiental, também será de admitir que a lógica ecológica ganhe uma maior importância na concepção, aplicação e reforma dos tributos para os quais a justificação ambiental seja usada.

A recente intervenção do governo nesta matéria através da criação do adicional ao ISP e a sua consignação ao Fundo Florestal Permanente parece confirmar a tendência apontada (107). Entre os meios que o governo português decidiu utilizar em sede de estratégia florestal insere-se o passo dado na Lei Orçamental de 31 de Dezembro de 2003 no sentido de introduzir um adicional ao Imposto sobre Produtos Petrolíferos e consignar a sua receita ao Fundo Florestal Permanente (108). Esta medida coaduna-se com a tendência actual de seguir um desenvolvimento sustentável, integrar as preocupações ambientais nas demais políticas, nomeadamente na política fiscal, responsabilizar o poluidor pelos custos a que dá causa e realizar um esforço para reconquistar o público político para a adopção das medidas fiscais.


Excerto de
A inevitabilidade de se avançar para a tributação ambiental…também em Portugal
Claudia Dias Soares

Revista da Ordem dos Advogados, Ano 64, Novembro 2004, pp. 459-496.

Texto completo disponível aqui.

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