Sunday, October 9, 2011

A articulação de instrumentos fiscais com o Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão

As propostas da Comissão Europeia sobre energia e alterações climáticas constituem um elemento essencial da Agenda de Lisboa para o crescimento e o emprego. Urge coordenar as acções no âmbito da Estratégia de Lisboa e do Programa Europeu para as Alterações Climáticas. A Estratégia de Lisboa, adoptada em 2000, estabeleceu o objectivo de "tornar a UE no espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo baseado no conhecimento e capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos e com maior coesão social". A política energética foi definida em 2006 pelo Conselho Europeu como uma das quatro prioridades da Estratégia de Lisboa. O ponto 11 das orientações integradas para o crescimento e o emprego para o triénio em curso também recomenda que os Estados-Membros aproveitem o potencial das energias renováveis e da eficiência energética para o crescimento, o emprego e a competitividade.

Tal como se refere no Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Alterações Climáticas e a Estratégia de Lisboa, a União Europeia tem de maximizar a eficiência e usar sinergias existentes sempre que possível.

As alterações climáticas podem agravar as actuais distorções e fossos sociais, quer na UE quer noutras regiões. A mudança do clima põe à prova a nossa capacidade de solidariedade. O objectivo deve ser gerir a adaptação e atenuar as consequências sem aumentar o desemprego ou as distorções sociais. O combate não pode levar ao aumento do número de cidadãos que vivem na pobreza. O CESE salienta a importância de uma Estratégia de Lisboa contínua que combine competitividade, coesão social e acção contra as alterações climáticas. (…) As repercussões para o emprego das políticas de combate às alterações climáticas serão um dos temas cruciais. O objectivo deve ser gerir a adaptação e a atenuação das consequências sem aumentar o desemprego.

Está prevista a revisão da estratégia de Lisboa pelo Conselho Europeu de Março de 2008, devendo o novo período de programação durar até 2011. Esta revisão constituirá uma oportunidade para realçar as sinergias. Entre as medidas que parecem desejáveis está a melhor coordenação dos instrumentos utilizados no âmbito das políticas comunitárias. A articulação operada entre a tributação energética e o Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão oferece um exemplo de como o actual enquadramento legislativo, quer a nível comunitário quer de alguns Estados Membros, entre os quais se conta Portugal, é passível de críticas.

Existe espaço para melhorar a articulação entre a política fiscal e a política ambiental com ganhos potenciais em sede de ambas. Os sectores energeticamente intensivos, que se contam entre os mais directamente afectados pela estratégia europeia de combate às emissões poluentes, devem ser regulados de modo a não se colocar em causa a competitividade da indústria europeia. É importante fornecer-lhes o enquadramento necessário para realizarem a transição para o novo paradigma de desenvolvimento caracterizado pela menor intensidade energética e redução das emissões de carbono e outras substâncias com efeito de estufa.

A dupla regulação actualmente existente sobre estes sectores, traduzida na aplicação cumulativa de impostos sobre o consumo de energia e o Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão é irracional pelos custos de eficiência que lhe estão associados. Porquanto, tal dupla regulação não potencia nenhum ganho ambiental extra e tem associado o risco de perda de competitividade pela economia europeia. No entanto, a concessão de isenções fiscais em sede de impostos sobre a energia aos operadores abrangidos pelo Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão, atendendo ao enquadramento legislativo em vigor, não nos parece defensável. Tal medida contraria o regime comunitário dos auxílios de Estado aprovado em 2001 e viola o Princípio do Poluidor Pagador.

De lege ferenda será de adoptar uma abordagem única a nível comunitário, a qual deve passar, por um lado, pelo fim da atribuição gratuita de licenças de emissão, como já se discute que venha a acontecer relativamente a alguns sectores para o período posterior a 2012, e o apuramento das regras de aplicação do Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão, de modo a garantir que o preço de emissão é uniforme em todo o Sistema e, por outro lado, pela isenção obrigatória de tributação energética para os sectores abrangidos por esse mesmo Sistema.

Enquanto essa atribuição continuar a ser maioritariamente gratuita, a isenção de tributação energética dos sectores em causa decidida a nível dos Estados Membros, além de implicar uma perda de receitas públicas, não é apta a melhorar os resultados obtidos, quer em termos ambientais quer de competitividade. Neste cenário, preocupações de natureza fiscal e as falhas do Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão no fornecimento ao mercado de um preço uniforme para as emissões de dióxido de carbono podem favorecer a preferência por um imposto comunitário sobre o consumo de energia em detrimento da isenção fiscal.

Quer um imposto comunitário sobre o consumo de energia em instalações abrangidas pelo Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão que substituísse os impostos nacionais sobre a energia actualmente em vigor quer a isenção fiscal obrigatória de tal consumo seriam aptos a satisfazer os objectivos ambientais caso fossem superadas as falhas deste Sistema, entre as quais se contam os problemas de hot air e de atribuição gratuita das licenças. Em qualquer caso, a certeza jurídica e a lógica de funcionamento do Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão requerem que a eliminação da dupla regulação se faça através de uma abordagem a nível comunitário, e não a nível nacional.

Excerto de
A articulação de instrumentos fiscais com o Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão, Claudia Dias Soares
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal (Almedina, Lisboa), Ano 1, N. 2, Junho 2008, 69.

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