Friday, October 7, 2011

A importância da intercepção ‘política do ambiente’ – ‘política energética’

No domínio energético é especialmente relevante a afirmação de que algumas intervenções do Estado podem ajudar o governo a atingir objectivos de política social mas simultaneamente contrariar outras metas políticas a que o mesmo se tenha proposto, como seja, v.g., a promoção do aumento do uso de energia renovável. Ao atribuir preponderância aos objectivos sociais, o Estado pode levar a cabo uma política de financiamento das energias mais utilizadas (i.e., as tradicionais) ou influenciar de outra forma a combinação energética adoptada pela indústria (tanto a indústria transformadora como a indústria produtora de energia) em termos que impedem a correcta consideração de todos os custos e benefícios inerentes às diversas opções.

No caso português, o grau de competência tecnológica e institucional para a resolução dos problemas ambientais associados à produção e ao consumo energético apresentado pelo país foi determinado mais fortemente pelos elementos que Weidner e Jänicke denominaram como ‘condições estruturais básicas’. Ou seja, percebe-se que o desenvolvimento da política energética foi, em grande parte, consequência de uma abordagem fortemente centrada na protecção da competitividade nacional de uma indústria monodependente de combustíveis fósseis, nas preocupações sociais que o impacto regressivo da tributação energética pode desencadear e na capacidade recaudatória de um sistema fiscal essencialmente assente na tributação indirecta. Mas, para além destes aspectos, um outro factor parece ter influenciado o desenvolvimento de fontes de energia renovável em Portugal. Este desenvolvimento parece ter sido negligenciado também em consequência dos elementos específicos ‘actores’ e ‘estratégia’ observados no caso nacional. Porquanto, a debilidade da abordagem sustentável do sector energético explica-se em parte pela falta de grupos de interesse que actuem nestes domínios, em contraste com o que se observa, v.g., em Espanha.

Outros motivos que se encontram para o fraco desenvolvimento das energias renováveis em Portugal, apesar das boas condições disponíveis, em especial para o aproveitamento de energia solar, é o nível reduzido e a estabilidade do preço da energia fóssil e o baixo rendimento das famílias para investir em energias limpas. Isto é assim apesar de Portugal estar entre os países da UE onde o consumidor privado mais paga pela electricidade, tendo em conta o poder de compra das famílias. A vantagem comparativa das energias tradicionais ainda não foi contrariada pelos incentivos atribuídos à exploração de energias renováveis de forma a inverter o padrão evolutivo do consumo.

Apesar de a redução do preço real da energia ter contribuído para o padrão evolutivo ambientalmente negativo do consumo energético e de tal problema poder ser corrigido através de um imposto sobre a energia, sobre o próprio consumo ou sobre as emissões de substâncias poluentes geradas a partir desse consumo, como se observa em diversos outros países, Portugal tem defendido a não tributação do consumo energético , por temer o impacto que o aumento do preço da energia pode ter quer sobre a competitividade da energeticamente ineficiente indústria nacional quer sobre a qualidade de vida dos cidadãos. Receios que se mostram fundados tendo em conta os baixos níveis de rendimento per capita nacionais e o impacto regressivo da tributação energética. Tem-se, por isso, tentado dar resposta à necessidade de se actuar a este nível através de outro tipo de medidas como as que são descritas ao longo deste trabalho.

Parece importante que na política de incentivos prosseguida se atenda à necessidade de promover um mercado concorrencial para a energia, sem limitação dos preços que impeça o mercado de reflectir a escassez dos recursos (como ainda acontece nos casos do diesel rodoviário e da gasolina sem chumbo) e com um mais completo reflexo do custo de oportunidade no preço da energia, nomeadamente, mediante a interiorização das exterioridades sempre que tal se mostre possível e o afastamento de situações de subsidiação cruzada. Porquanto, a intervenção reguladora seguida parece não ter realizado adequadamente os objectivos a que se propôs se se analisar o padrão evolutivo do consumo energético, quer em termos quantitativos (valores absolutos e medidas de eficiência) quer em termos qualitativos (os combustíveis fósseis continuam a ser a principal fonte energética utilizada pelos sectores mais energeticamente intensivos, nomeadamente os transportes e a indústria).

Nos anos noventa, o limite estabelecido pelo governo para o preço da energia visava proteger o consumidor de abusos. Estes limites têm vindo a ser progressivamente retirados, tendo-se, no entanto, prolongado no caso da gasolina e do gasóleo rodoviário. Mas a partir do momento em que existe um mercado concorrencial para o fornecimento destes combustíveis deixa de existir uma racionalidade económica para a manutenção de tais limites , desde que se assegure o funcionamento concorrencial do mercado.

Com o aumento do número de projectos elegíveis para a obtenção de ajudas e a necessidade de contrair a despesa pública, parece importante que se enfatize a característica da eficiência económica dos projectos beneficiados com o apoio público e a redução gradual dos custos de exploração das energias renováveis. No caso do gás natural, em concreto, que não é uma energia renovável mas cujo aumento do consumo serve o objectivo de diversificação energética, a AIE recomenda que se reduzam gradualmente os incentivos conferidos à medida que o mercado atinge a maturidade, de modo a não distorcer o seu funcionamento a favor desta fonte energética.

O alcance limitado dos benefícios fiscais existentes e a carga tributária que pesa sobre a actividade de exploração de energias renováveis, nomeadamente as taxas devidas pela instalação de unidades de produção de energia hidroeléctrica por uma pequena central hidroeléctrica e a renda devida pelo proprietário de centro electroprodutor aos municípios cuja circunscrição seja atingida pela zona de influência das instalações , são apontados como entraves ao desenvolvimento da indústria energética a partir de fontes renováveis em Portugal . Porquanto, o elevado custo de investimento e exploração de centrais geradoras de energia a partir de fontes renováveis torna frequentemente difícil atingir níveis positivos de rendibilidade económica do projecto antes de se atingir uma elevada quota de mercado. Mas tal só deve ser aceite como uma crítica aplicável a algumas das espécies de fontes de energia renovável disponíveis.

No domínio dos parques eólicos o número de pedidos de licenciamento pendentes demonstra que hoje já é rentável economicamente a exploração desta espécie de energia renovável em Portugal. O que se deve em grande parte às generosas ‘tarifas verdes’ aprovadas pelo Governo. Mas este potencial, que foi criado através de medidas de despesa pública, não está a ser plenamente aproveitado devido a uma falta de abordagem integrada e racional do sistema. O atraso que se nota nos processos de licenciamento dos parques eólicos tem duas causas principais. Por um lado, verifica-se uma morosidade inerente ao próprio procedimento administrativo e à intervenção no processo de organizações ambientalistas que manifestam oposição à implantação de aerogeradores em zonas ambientalmente protegidas mas também especialmente aptas à exploração desta espécie de energia. Por outro lado, padece-se de uma instabilidade legislativa que tem afectado o investimento neste domínio. Assim, importa dedicar especial atenção a esta espécie de energia, onde os exemplos de outros países, como, v.g., Espanha, nos demonstram que poderá residir um importante contributo para o cumprimento dos objectivos definidos em sede de política energética e das obrigações assumidas a nível internacional. Além de que um tratamento pouco cuidadoso deste tema pode impedir a captação de investimento internacional relevante e o desenvolvimento de novos sectores económicos com uma forte componente tecnológica e de capacidade de criação de emprego.

O objectivo ambiental em termos de emissões atmosféricas que se deverá pretender com o programa de política energética nacional é a redução em 2010 dos gases com efeito de estufa em 27 por cento relativamente a 1990, tendo em conta os compromissos assumidos. Os meios para conseguir atingir essa meta passam pelo reforço da capacidade e da qualidade das redes eléctricas, a maior racionalidade energética na indústria e nos edifícios. Em geral pode-se afirmar que os apoios concedidos, quer tendo em conta a sua intensidade quer a sua duração, são aptos a gerar um importante apoio ou boas condições de mercado no caso da energia obtida a partir de parques eólicos instalados em terra e de mini-hídricas, bem como de energia maremotriz e solar térmica, sendo de esperar resultados fracos no caso dos incentivos concedidos à exploração de electricidade e calor a partir de biomassa e à incineração de resíduos.



Excerto de
A importância da intercepção ‘política do ambiente’ – ‘política energética’. O caso português ao longo do período 1994-2004, Claudia Dias Soares
Revista CEJ (Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários), N. 30, Setembro 2005, Brasília (Brasil), pp. 40-49.

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