Friday, October 7, 2011

A Consignação de Receitas Fiscais

Actualmente, coloca-se com maior acuidade o problema da consignação de receitas, num esforço de reconquista do público político para a adopção das medidas fiscais que se impõem. Tal fenómeno explica-se pela necessidade crescente de receitas por parte do Estado , a par da quebra do consenso no debate sobre o bem-estar, que se iniciou nos anos 70, acompanhada do aumento das discussões sobre as prioridades sociais, da maior exigência de transparência e responsabilização na gestão do aerarium, com uma cada vez maior resistência à passagem de cheques em branco aos poderes públicos.

A centralização administrativa, que foi responsável pelo abandono do sistema original de estreita ligação entre a cobrança do imposto e as despesas cobertas pelas seus ingressos, perdeu muita da sua autoridade. Os cidadãos encaram a elaboração dos orçamentos públicos como um processo pouco transparente, sem respeito por critérios de racionalidade económica, atendendo, preferentemente, a juízos de rivalidade política.

Talvez o regresso à vinculação dos ingressos tributários tenha um papel extremamente importante a desempenhar a nível da confiança nos poderes públicos e da sua responsabilização, garantindo o apoio político de que uma reforma fiscal carece, num momento em que se pretende evoluir de um sistema fundado na tributação do valor criado para um outro, mais racional e sustentável, assente na tributação dos recursos destruídos.

Mas qual a natureza e a intensidade que devem ser adoptadas nessa vinculação?
Os conceitos que expressam esta realidade são uma constante na literatura sobre as novas direcções da política tributária. No entanto, tal como acontece relativamente à sua utilização nos demais domínios, também aqui as vozes se dividem entre os que a criticam e os que a defendem. E nem mesmo estes últimos conseguem chegar a um consenso no que respeita aos moldes em que aquela se deve processar. Diferença essa que para alguns é meramente de grau, enquanto que para outros é de tal forma essencial que pode determinar o sucesso ou o falhanço de uma nova fiscalidade. A noção de “vinculação funcional de receitas” começa a ser encarada como uma perspectiva promissora neste campo. Os vários exemplos disponíveis talvez permitam retirar algumas conclusões a esse respeito, oferecendo respostas aos argumentos dos economistas ortodoxos de que a vinculação de receitas provoca ineficiência e introduz distorções no sistema, devendo os níveis e o elenco de prioridades das receitas e das despesas ser fixados autonomamente, com base nos seus méritos intrínsecos.

Excerto de

A afectação de receitas tributárias no novo quadro das finanças públicas, Claudia Dias Soares
Revista dos Tribunais, Ano 90, Vol. 785, Março 2001, pp. 11-35, São Paulo (Brasil).

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