Thursday, September 16, 2021

Idoneidade do empresário como condição necessária para o licenciamento ambiental

 Cabe à Administração Pública acautelar o interesse público no processo de licenciamento. O que apenas poderá acontecer quando a entidade competente tenha expetativas objetivamente fundadas de que o sujeito a quem é atribuída a licença irá respeitar a lei e o interesse coletivo. Quando, apesar de condenação em sede de processos de contraordenação no passado, o sujeito voltou a adotar uma conduta censurável, apresentando um historial de várias contraordenações ambientais graves e/ou muito graves, mostrando falta de consciência ambiental, permitir que troque de “manto”, criando para o efeito uma nova pessoa coletiva, não afasta a expetativa de que o mesmo venha a manter um comportamento socialmente censurável e lesivo do interesse coletivo caso o título lhe venha a ser atribuído. Por essa razão, a idoneidade do empresário no caso de indústrias perigosas deveria ser condição sine qua non para a emissão do título de exploração do estabelecimento industrial e para a atribuição de uma licença ambiental, tal como acontece no setor financeiro e no setor da mediação imobiliária.
No setor financeiro, a qualidade de membro de órgãos de administração e fiscalização ou a titularidade de funções essenciais nas entidades supervisionadas pelo Banco de Portugal carece da verificação da idoneidade profissional do sujeito (Info do Banco de Portugal n.º 12/2015). O Banco de Portugal tem competência para proceder à verificação da adequação dos membros dos órgãos de administração e fiscalização e dos titulares de funções essenciais nas instituições de crédito (artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 298/92), sendo que a adequação, para o exercício das respetivas funções, dos membros dos órgãos de administração e fiscalização das instituições de crédito está sujeita a avaliação para o exercício do cargo e no decurso de todo o seu mandato, consistindo na capacidade de assegurar, em permanência, garantias de gestão sã e prudente das instituições de crédito, tendo em vista, de modo particular, a salvaguarda do sistema financeiro e dos interesses dos respetivos clientes, depositantes, investidores e demais credores.
Também no setor da mediação imobiliária, a atribuição de licenciamento para o exercício da atividade de mediação imobiliária tem como condição necessária a existência de idoneidade comercial (artigo 5.º da Lei n.º 15/2013). Condição que não se verifica nos sujeitos que tenham sido representantes legais de uma empresa de mediação imobiliária punida, pelo menos duas vezes, com coima pela prática dolosa dos ilícitos de mera ordenação social previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 15/2013; que tenham sido punidos ou tenham sido representantes legais de empresa de mediação imobiliária punida com coima pela prática dolosa do ilícito de mera ordenação social referido na alínea a) do n.º 1 do artigo 32.º da mesma lei, desde que fique demonstrada a violação repetida de um dos deveres estipulados na lei (artigo 17.º, nos ns, 1 e 2 do artigo 18.º e no n.º 3 do artigo 19.º da referida lei); ou que tenham sido representantes legais de empresa de mediação imobiliária punida com a sanção acessória de interdição do exercício da atividade, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 32.º do mesmo diploma legislativo, durante o período dessa interdição.
Cautelas semelhantes, com a exigência de idoneidade profissional, deveriam também ser exigidas para atribuição de uma licença ambiental, pelo superior interesse público de que se reveste a proteção do ambiente, em função da especial relevância dos direitos e interesses em causa, e o elevado impacto sistemático que uma conduta negligente que coloque em risco bens ambientais pode ter, tanto nas gerações atuais como nas vindouras. Elementos incontornáveis na apreciação da referida idoneidade devem ser as punições passadas por contraordenações graves e muito graves, bem como por crimes ambientais, tanto do sujeito pessoa singular como de pessoa coletiva por ele representada.
E, tal como no sector financeiro, deve haver também a fiscalização da idoneidade dos órgãos colegiais da pessoa coletiva que requeira a atribuição de uma licença ambiental, para não se permitir que o empresário se esconda atrás de um Conselho de Administração composto por ´homens/mulheres de palha´ (vulgo ´testas de ferro´). Refira-se a este propósito o artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 298/92, que embora previsto para o setor financeiro, poderia prestar um bom exemplo do que seria necessário para efeitos de desenvolvimento de atividades com impacto ambiental. Na disposição mencionada prevê-se que, no caso de órgãos colegiais, a avaliação individual de cada membro deva ser acompanhada de uma apreciação coletiva do órgão, tendo em vista verificar se o próprio órgão, considerando a sua composição, reúne qualificação profissional e disponibilidade suficientes para cumprir as respetivas funções legais e estatutárias em todas as áreas relevantes de atuação, devendo a avaliação dos membros dos órgãos de administração e fiscalização obedecer ao princípio da proporcionalidade, considerando, entre outros fatores, a natureza, a dimensão e a complexidade da atividade da instituição de crédito e as exigências e responsabilidades associadas às funções concretas a desempenhar.


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