Friday, October 7, 2011

Repensar a política energética

Há que repensar as políticas públicas à luz do novo paradigma civilizacional que está subjacente ao conceito de desenvolvimento sustentável. Em Portugal, a política energética oferece-nos um bom exemplo de como a intervenção do Estado pode simultaneamente prejudicar o ambiente e as finanças públicas.

As causas de degradação ambiental encontram-se frequentemente nas falhas do mercado, quando os preços não reflectem correctamente o verdadeiro custo ou beneficio dos consumos ou a escassez dos bens, mas também nas falhas do Estado, quando este financia bens ou comportamentos que degradam o ambiente. Em ambos os casos, vão-se impor custos a quem deles não beneficia. Tal solução é injusta e economicamente ineficiente por gerar níveis de procura em que a sociedade tem mais custos do que benefícios. Num tempo de crise financeira existe uma janela de oportunidade para se corrigir estes erros. Colocar um preço no ambiente, através de impostos verdes, e eliminar subsídios que distorcem a procura em sentido ambientalmente perverso gera receitas públicas e reduz a poluição.

Porquê continuar a obrigar o comercializador de electriciade a comprar a preço-prémio energia eólica, passando esse custo para o consumidor através de uma subida significativa das tarifas de electricidade, quando se pode tornar a energia limpa mais competitiva pela mera correcção dos preços? Os produtores de electricidade que utilizam combustíveis fósseis são poluidores, mas ainda assim recebem pelo menos 90% dos seus direitos de emissão gratuitamente. E lucram com isso. Recebem gratuitamente um activo com valor no mercado (as licenças) que capitalizam, integrando-o na sua estrutura de custos e passando-o para o consumidor. Porque não tributar esse ganho (windfall profit) como recentemente o governo irlandês, no seu esforço de consolidação orçamental, decidiu fazer?

Continuar a compensar as renováveis pelos custos das externalidades geradas pelas fósseis e espalhar esse encargo por todos os consumidores de energia prejudica a atractividade de estratégias de composição do pacote energético com cada vez mais renováveis e gera uma opinião pública desfavorável a estas, embora sejam estas as que podem garantir um maior benefício social. As renováveis também devem ser pressionadas a tornarem-se cada vez mais competitivas. O que se consegue obrigando-as a ir ao mercado vender a sua produção, mesmo que haja garantia de aquisição, como acontece em Espanha, em vez de se estabelecer administrativamente um elevado preço-prémio, como se faz cá.

A futura estratégia energética da União Europeia tem que passar pela segurança do fornecimento, por uma economia de baixo carbono e pela competitividade em termos energéticos (i.e., eficiência). Manter os subsídios às fósseis prejudica todos estes objectivos, além de dar um sinal errado ao mercado, perpetuando a atractividade dos investimentos nas fósseis. O que atrasa o desenvolvimento de tecnologias e processos de apoio às renováveis e, consequentemente, atrasa a sua competitividade.

A folga financeira assim criada poderia não só melhorar as contas públicas mas também permitir um maior investimento na rede de transporte, de modo a torná-la apta a receber cada vez maior quantidade da energia intermitente das renováveis, e na manutenção de capacidade de reserva para acudir a problemas de falhas nas renováveis.


Artigo publicado no Jornal de Negócios, 10 Janeiro de 2011, link para artigo.

Impostos ambientais em Portugal...?

Portugal não tem "impostos ambientais", tem, sim, muitos impostos relacionados com o ambiente, que incidem principalmente sobre os combustíveis e os transportes. Merece, no entanto, uma referência positiva o Imposto Automóvel. Passemos à explicação da primeira frase.

O que é entendido como um imposto ambiental são imposições fiscais que conseguem alterar os comportamentos. Ou seja, trata-se de um instrumento extra-fiscal, cujo objectivo não é a obtenção de receita (ainda que esta seja obtida, como acontece com qualquer imposto). O seu grande objectivo é alterar os comportamentos e, se assim é, tem de haver um cuidado especial na configuração desse imposto. Dois aspectos fundamentais a ter em conta é saber quem deve ser tributado e a que taxa se vai tributar. Se a intenção é alterar comportamentos tem de haver, necessariamente, uma taxa superior à que existiria se o objectivo fosse obter receitas. Por outro lado, tem de se atingir os sujeitos que têm o poder para alterar os comportamentos.

O que tem existido em Portugal, no entanto, são medidas fiscais com falsas pretensões ambientais. Um dos exemplos foi o imposto sobre os produtos petrolíferos: no passado tínhamos uma diferenciação a nível do enxofre. Esta diferenciação, que existiu em quase todos os países europeus, tinha como objectivo reduzir as emissões de enxofre. Em Portugal procedeu-se a uma redução da taxa de imposto para os combustíveis que tinham menos enxofre mas permitiu-se que a indústria continuasse a vender ao mesmo preço os dois tipos de combustíveis. Ou seja, o ganho fiscal que estava a ter não passou para o consumidor. Isso não seria tão negativo caso tivessem sido tomados alguns cuidados na configuração do imposto, não isentando do mesmo os maiores poluidores. Como tal não aconteceu, as principais empresas emissoras de enxofre e a indústria de refinação de produtos petrolíferos, que faziam parte de um mercado quase monopolista, sem concorrência, não fizeram o investimento na dessulfuração do combustível que deveria ter sido feito. O resultado foi que, com excepção da indústria poluidora, ninguém ganhou: nem os consumidores, porque o combustível ficou sensivelmente ao mesmo preço, nem o ambiente. O efeito que se pretendia não foi atingido. Na Suécia fez-se algo de muito semelhante com a diferença de que os maiores emissores de enxofre passaram a ser tributados, isto é, não ficaram isentos de imposto. Como consequência, a indústria investiu e houve um ganho substancial com a medida: ao final de alguns anos, havia uma redução significativa da quantidade de enxofre no combustível. Em Portugal, só depois de surgir a directiva que limitou o nível de sulfúreo, é que se começou a reduzir a quantidade desta substância no combustível. O mercado do combustível limpo foi quase inexpressivo ao longo do tempo que esteve em vigor a medida fiscal.

Existem ainda medidas fiscais com boas intenções mas com uma eficácia ambiental aquém do seu potencial. É o caso do actual Imposto Único de Circulação. Este é um imposto que grava a circulação automóvel e os veículos são poluentes quando circulam. Ora, este imposto é cobrado ao proprietário, tenha ele o veículo na garagem ou não. Portanto, esta é uma medida fiscal que potencialmente funciona bem mas que, se é cobrada ao proprietário do veículo, não diferencia entre quem polui e quem não polui (ou entre quem polui muito e quem polui pouco).

Além destas, existem outras medidas fiscais, geradoras de despesa pública e com reduzido impacto ambiental. Sobre esta matéria - que se refere sobretudo aos benefícios fiscais - há vários estudos feitos. Eles funcionam, essencialmente, como sinalizadores. Isto é, os consumidores e contribuintes têm noção de que determinado comportamento é positivo e desejável porque há um benefício fiscal para eles mas, nos casos referidos, poucos são os sujeitos que, efectivamente, realizam o comportamento por causa do seu benefício fiscal. É o caso dos subsídios à aplicação de equipamentos para utilização de energias renováveis, que já existem em Portugal há algum tempo. Este é um investimento que pode ser deduzido no IRS de quatro em quatro anos. Antes não se podia acumular com os juros do empréstimo à habitação e, portanto, a maior parte das pessoas nem sequer podia utilizar o benefício fiscal. Hoje, podem utilizá-lo, mas a maior parte das pessoas não faz o investimento por causa do benefício fiscal. Ou seja, tem apenas um efeito de sinalização: realiza-se despesa fiscal com essa medida, porque se deixa de cobrar a receita, mas o seu impacto é muito reduzido. Faz sentido ter este tipo de medidas durante algum tempo, para efeitos de informação pública, mas, mantê-la revela-se inútil a nível ambiental e custoso a nível fiscal.

Assim, o que realmente temos são os impostos com tonalidades verdes. Isto é, impostos que tendo em atenção o ambiente também atendem a outros factores. É o que acontece com o actual imposto sobre os produtos energéticos que, na sua taxa, tem em atenção o impacto ambiental dos produtos dos combustíveis (ou seja, tem em atenção o ambiente), mas também considera outros factores. Isto, normalmente, faz com que o instrumento fiscal deixe de ser eficaz em termos ambientais porque se introduzem duas racionalidades, muitas vezes contraditórias, dentro do mesmo instrumento: a obtenção de receita ou a protecção de determinada indústria ou grupo industrial e a protecção do ambiente. Com a agravante de que, normalmente, o setor ou grupo industrial que se quer proteger é o mais poluente. Por fim, temos também as taxas ambientais que visam, essencialmente, ressarcir a sociedade pelos custos e condicionar comportamentos, mas também conseguir (isto a nível de resíduos é importante) o direccionamento dos fluxos no sentido desejável.

Impostos ambientais - Não há!...talvez haja, sim, um imposto ambiental. O Imposto Automóvel, que com a diferenciação em função das emissões de dióxido de carbono a atingir os 60% do total do imposto poderá estar a influenciar as escolhas dos consumidores. Seria interessante perceber qual a exata influência deste imposto na maior percentagem de veículos 'limpos' a circular em Portugal face aos demais EM.